Influências Clássicas na literatura Moderna

O livro Fruto Vermelho apresenta, em alguns poemas, uma explícita influência da escola clássica com tendências Modernas. Isso pode ser observado tanto na forma como no conteúdo não apenas, é claro, nas reflexões de um jovem brasileiro ( pretensões surreais e descartáveis)mas em alguns ícones da nossa literatura, como é o caso de Mario Quintana por exemplo.
A busca pelo ideal sugerida na estética classicista propõe, segundo a critica moderna, duas vertentes históricas. Alguns defendem que esta temática, por conta dos elementos classicistas que retomam princípios greco-romanos, baseia-se no idealismo platônico. Outros, no entanto, defendem que a raiz desta busca pelo ideal nas composições clássicas surge do monismo idealista, a existência de ser indescritível, na obra de Plotinio¹.
Essa divergência de opiniões adverte sobre a linha de pesquisa adotada por cada teoria. O tema presente na composição de Camões pode ser classificado como neo-platonismo. Variações naturais do pensamento de Platão que, unidas as sanções impostas pela era medieval, geraram essa nova linha cognitiva. Após séculos de repressão o pensamento de Platão ressoa com um novo sopro de razão: liberdade. Essa explosão intelectual que se somou ao universalismo, racionalismo, antropocentrismo e ao paganismo foi tão avassaladora que seu “eco” pode ser ouvido séculos depois pelos idealizadores e escritores do modernismo no século XX. São tantas as manifestações da temática classicista presentes no modernismo que poderíamos afirmar, sem medo de cair em nenhum armadilha interpretativa de comparação, que o “grito de liberdade” entoado pelos classicistas, resultante do pensamento humanista que os antecedera e que representa o rompimento com a estética literária proposta pelos orphistas, antecessores ao modernismo.
Vejamos o soneto Sete anos de Pastor inspirado em outro soneto , de Petrarca² , per Rachel ho servido e non per dia . Idealismo presente no sonho de Jacob e personificado na imagem de Raquel. No soneto de Camões o racionalismo, apesar do encantamento que sofre o protagonista,se faz presente na oferta de trabalho e esforço medido, pela conquista de seu ideal.Resultante de um equilíbrio sóbrio entre razão e sentimento.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se em vê-la.

Jacob aprendia em sua racionalidade, mesmo com o passar do tempo, seu ideal de felicidade: Raquel. Vale Ressaltar que a mesma Raquel, no texto original em Gênesis é uma personagem que interage com o espaço, propõe ações, expõe opiniões e esboça atitudes próprias, enquanto que a Raquel de Camões transforma-se em um ideal de conquista, uma busca vital, uma promessa de felicidade.
O Soneto de Camões caracteriza-se como classicista pela estética,versos decassílabos, ordenados em quatro estrofes, sendo dois tercetos e dois quartetos; o que determina o equilibro peculiar deste movimento artístico. As rimas são consoantes em (a) (B) (B) (a), característica dos sonetos Camonianos.
Observando a temática, o poema apresenta uma retomada dos valores gregos, especificamente, sobre o ideal de Platão. A concepção de Mimesis também se faz presente no texto. Além do principio de harmonia que se estabelece nos antagônicos valores entre o “poder” e a submissão; segundo Nietzsche esta característica clássica é resultante de uma harmonia ampla em todos os setores da arte que, no seu entender, durante este período se faz muito mais apolínea do que dionisíaca. Se o equilíbrio esta na dosagem da moral com a paixão, ter caráter mais apolíneo é o que melhor contribui para tal pêndulo, haja vista que se existissem no mesmo patamar a paixão se sobressairia
Avancemos alguns séculos para observarmos a presença desta temática no movimento modernista. Usaremos como corpus de observação o poema de Manuel Bandeira Ultima Canção do Beco. Obra que apresenta características modernas na construção do pensamento introspectivo e retomada de valores do passado. Tais características somadas às temáticas singulares de Bandeira, como a solidão, o medo da morte, cotidiano em Santa Tereza, a família e a infância; temos aqui outra ilustração do idealismo Neo Platônico. O texto de Manuel Bandeira habita o eixo de sustentação da explanação anterior sobre as concepções modernistas do Segundo Período. Percebe-se uma preocupação mais amena com a quebra dos conceitos estéticos anteriores, pelo menos com certa exposição panfletária menor. Contudo os paradoxos e as antíteses, resultantes de sua bipolaridade, apresentam-se de maneira destacada, salvo nas articulações sobre a concepção do ideal , onde o poeta mostra-se convicto de sua afirmação.
A individualização de um universo paralelo, utilizada no trecho que fala de seu quarto, reduto de produção cognitiva, é habitualmente retomada na poesia de Manuel Bandeira. Em seu Poema mais famoso Vou embora para Pasárgada eis que esta individualização surge como trilhos condutores de toda construção que se segue, traçando um espaço atemporal de fuga e alimentação de valores.
Ultima canção do beco possuí um eu-lírico residente na formatação hermenêutica do autor e um espaço introspectivo constituído de valores diacronicamente imergentes.
O beco é a memória de um determinado momento da vida do “eu - lírico”; imagem que lhe vem carregada de lembranças boas e ruins, mas que o mesmo deseja que fique apenas nas lembranças. Um passado que quando presente fora presente não era tão poético assim.
O espaço mais sagrado do eu-lírico é o quarto. Nota-se o amor pelo seu universo que teve um significado muito maior do que as imagens mundanas. Já que o quarto permanecerá de forma imperfeita aos olhos do mundo das aparências. O universo criado para suprir a necessidade de afeto que outros espaços ofereciam. Os grandes instrumentos de construção do seu Eu ficarão vivos e continuarão com sua importância intocada.

Instrumentalizado com suas elipses, Bandeira reflete a exposição de um universo individualizado e delimitado ao quarto que morou. Além disso, apresenta a relação deste universo com a sociedade também resumida ao beco de sua infância. Os equilíbrios entre o sagrado e o profano , o ideal e o real ;presentes no poema nos comprova a retomada da temática clássica ,que reaparecerá , de uma maneira quase metalingüística,no poema de Mario Quintana Da realidade.
O olhar lúdico de Quintana serve-nos com uma interpretação palpável da teoria de Platão. Se o plano que se deseja de uma existência é a verdadeira razão dela mesma, pode-se afirmar que a realidade não satisfará, em momento algum, a trajetória de vida do homem. Conforme observamos no processo evolutivo do pensamento de Platão, que se agregou aos valores de ideais libertários do pensamento poético classicista, percebe-se um movimento de transformação da temática também nos moldes modernos.
As características modernas aplicadas ao texto de Manuel Bandeira, em partes, podem ser aplicadas ao poema Da Realidade de Mario Quintana. No entanto, inseri-se aqui , os preceitos de Práxis e suas conclusões objetivas que remetem a intenção filosófica à prática. De acordo com esta inclinação ao pós-modernismo podemos afirmar que a vertente do pensamento platônico avança sobre a contemporaneidade com força equivalente ao período clássico dada a capacidade construtiva e de adaptação dos modernistas
O moderno e o pós moderno que adaptou o ideal no contexto de teorização, a fim de entendê-lo mais profundamente, ao contrário do classicismo que se preocupou , aparentemente em maior escala, com sua exibição;dando vida aos sentimentos e transformando-os em arte.

Notas:

1- Plotino (d.c. 205 - 270), natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas por 11 anos e mestre de Porfírio. Plotino nos legou ensinamentos em seis livros, de nove capítulos cada, chamados de As Enéadas.
2- Petrarca- (1304-1374) ,foi um importante intelectual, poeta e humanista italiano, famoso, principalmente, devido ao seu Romanceiro. É considerado o inventor do soneto.

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