AIDS, ANGOLA E DOR. CONHEÇO A MORTE E NÃO A TEMO.

O terceiro texto do livro Fruto Vermelho foi escrito em uma tarde de domingo. Sabe aqueles dias em que você fica com o calhamaço de jornais nas mãos e vai lendo, lentamente, cada matéria do antigo conhecido “Cama de Mendigo”¹ que você comprou de manhã.Privilégio de poucos na periferia, e eu , me sentia honrado de poder gastar alguns reais com isso.
Naquela tarde, uma matéria me chamou atenção. Tratava-se de uma chamada à epidemia de AIDS em Angola. O jornal, por fontes do ministério da saúde local e outras instituições ligadas a ONU, atribuía a epidemia a resistência da população em utilizar camisinha. Segundo o jornal o ato, classificado como insano, era uma ignorância que matava milhares de pessoas naquele país.
Nesse momento comecei a pensar o quanto é fácil julgarmos os atos alheios e sem a menor preocupação de uma observação de outras perspectivas. Acredito que uma instituição como a ONU deveria se preocupar mais com isso, principalmente quando se refere a uma nação. Isso é a África. Continente que por anos fora julgado e condenado a sofrer com males não genuínos. A África da morte. Continente de maioria formada por homens e mulheres considerados pelos “pseudo-civilizados” como “semi-nativos”. Essa é uma discussão que nos levaria a questionar muitos conceitos como: O que é civilização? Quem disse que o Ocidente é quem deve julgar o certo e o errado? Quem são os verdadeiros vilões de nosso planeta?
Envolto na fúria de minha revolta solitária peguei uma caneta e um papel e escrevi o texto abaixo. Texto esse que significou tanto na minha formação como cidadão do mundo que não poderia ficar de fora da publicação de meu livro.


Conheço a morte e não a temo

Meu nome é Imuitá, sou descendente de Mangoyo o antigo e inesquecível Rei de Ngoyo².
Tenho 29 anos, a pele escura e as suadas marcas de anos lutando. O meu país sofreu com as guerras dos brancos, com as guerras dos negros e agora com a guerra do vírus. O branco já tirou nossa liberdade uma vez, nossa honra várias vezes, nos trouxe a doença e agora quer tirar o nosso prazer. O negro ama a negra. O toque do negro é importante na negra! E o vírus é branco.
O homem branco é infiel e acha que o negro também é infiel. Não confio em quem joga nos outros os seus defeitos. O homem branco diz que a borracha não tira o prazer e o negro sabe verdadeiramente o que é o prazer.
Um branco americano tentou me convencer que poderia deitar com qualquer negra. Portador da borracha! Eu acho.
Minha negra não! Chorei pelas negras da minha nação. Descartadas como as borrachas do americano alemão que se lavou e partiu de avião.
O negro sabe que os filhos de Angola precisam se proteger, mas não vamos abrir mão do prazer. Sou de Lobango. Terra da dança, da inocente criança africana. Cresci e aprendi que o amor é a raiz do homem.
O vírus mata e a morte é bem-vinda não assusta. O que dói é o sofrimento da terra sangrenta e dos corpos secos.
Sou branco, me chamo Ari e sou negro filho de Mangoyo; tenho o rosto de um fascista, sou filho de um racista, mas tenho um coração HUMANISTA!

1- Por seu grande número de páginas, este era o popular nome dado ao jornal O estado de São Paulo. Gír-déc.80
2-Ngoyo- Primeiro nome da República da Angola.

FONTE: FRUTO VERMELHO.

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