Feriado


Aflito por um bom feriado
Fiz-me plateia em ato,
Para observar  o movimento das vidas
Revelando o dia.

O metrô dispara
As luzes explodem
Em faíscas efêmeras,
Supernovas alucinadas,
E o túnel se foi. 

Sentado no veludo
De uma poltrona coletiva
As estrelas piscam
Lanternas de carros, atônitos,
Parados, contrariando sua própria natureza.
Que lhe pede pra rodar.

No plano fundo um breu
De um negrume brilhante
Um pano escuro com pérolas coladas
 São neons, mercúrios, vagalumes em iluminações mortas.
Tortas, casebres  de madeira pingentes no morro,
No vale limpo, os sobrados burgueses despejam suas sujeiras,
Avenidas pintadas
Brasas de cigarros escoradas em muros pichados,
A queimar, queimar, queimar e se despedir,
Num adeus silencioso a quem vê e a quem fuma.

Antenas, sirenes, Santíssima Trindade no topo da catedral.
Luzes azuis de televisores despejam das janelas seus horrores,
Suas mesmices, seu reluzir alienante...
Sorrisos sem brilho, sem sentido;
Amorfos em bocas vazias que há dias não sabem o que é mastigar.
Hospitais lotados de vivos e mortos, de sangues coagulados num recuo inesperado
Para quem sempre fora pra frente.

O capão chegou
E o tampão de minha cabeça dói,
Por suportar tantas lágrimas
Dispensadas num papel qualquer, em tinta fresca
Nesse feriado que a aflição consome.

Não existem férias para a miséria,
Todo o dia é dia de sentir fome, frio, medo...
Nesse casamento com a desgraça até a que a morte os separe!

Desejo o que a profecia não previu,
A filosofia não entendeu,
Desejos próprios,
Sonhos meus.
Exprimíveis somente nas babas de minha poesia,
O ácido, o seco, o cal, o vento...
Meu gozo jorrado neste cimento,
Que sela minha gaveta fúnebre
Recheada deste defunto que a estética burguesa assassinou,
Sem história, sem devir...
Este corpo incolor, enferrujado,
Essa decomposição que o “capetalismo” globalizou.
Corpo em putrefação,
Corpo pela massa que amou, rejeitado.
De segunda a segunda, aflito por um bom
Feriado.




Ari Mascarenhas

 

Um comentário:

  1. Muito boa a poesia. Remete-nos a viagens em outras dimensões mentais...
    Me identifiquei muito! (:

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