Marx e eu fomos ao museu (crônica diligente)



Durante a visita que fizemos à Avenida Paulista, Marx e eu, em decorrência da exposição “o moderno da coleção Itaú visita o MASP”, questionei-me, ao apreciar um quadro de Segall, sobre a forma como a arte moderna ganhou espaço na elite brasileira representando, em sua maioria, as vociferações da massa ascendente dos subúrbios e da zona rural. Esta reflexão acentuou-se dada trajetória do modernismo, de sua idealização até a semana da arte moderna, sobre os lares, bares e jardins da burguesia paulistana.
Por alguns instantes, ao contemplar a obra Soltando balão do pintor Ítalo-brasileiro Fúlvio Pennacchi (1946), refleti sobre o sucesso do modernismo sem essa matéria-prima, que oferecemos em abundancia, chamada cultura popular. Seria Possível? Por mais que os modelos vanguardistas apresentassem essa fórmula pronta para o sucesso (uma vez que a elite brasileira louvava tudo o que se considerava arte na Europa) chego a duvidar da grandeza comercial do modernismo com a ausência do pensamento antropofágico, écloga e patriota.
Naquele momento, ainda dentro do MASP imaginei as brilhantes mentes burguesas trabalhando sem o produto popular a fim de oferecer a elite só o que a elite tem e juntos morrerem de fastio e depressão. Ainda que este produto fosse importado, a mesmice atravessaria o oceano e restariam apenas os frios metais do café que coriscavam as boetas niqueladas dos barões capitalistas. 
Dias depois fomos à casa de Segall, que hoje graças a seus filhos tornou-se um importante museu da capital. Lá, deparei-me com detalhes de seu ateliê, das dependências de sua luxuosa moradia e com um quadro que me chamou bastante atenção, dada a aparente experiência biográfica do artista na epiderme da pintura. O quadro se chama Navio de emigrantes. Nesta obra, o artista, faz uma coletânea de sua vivência nas inúmeras viagens que fez durante sua vida itinerante pelo mundo.
O retrato não expõe as paisagens, as belas instalações das embarcações, ou ainda, os portos cheio de gente com bandeirinhas nas mãos; o quadro representa aquilo que nos é de mais atual, a maneira precária como a espécie humana é transportada em alguns lugares, e o que difere o bom do mau transporte.
Estou certo que poucos da elite burguesa atual sabem da verossimilhança deste quadro com a realidade urbana brasileira. O Navio de emigrantes, o caos que os pobres, ou melhor, emergentes de acordo com a política americana para o século XXI, sofrem naquilo que o sistema chama de “transporte público”.
Toda a minha reflexão que se iniciou diante do quadro Soltando Balão, que exibe a festividade popular, passou pela trágica condição que o sistema impõe aos verdadeiros vetores da economia emergente e chegou à conclusão que responde a questão inicial.
As fotos de B.J.Duarte são espelhos do espaço urbano que em breve estaria completamente modificado, em alguns momentos para atender a demanda, mas na maioria das vezes para mascarar a diferença social crescente em nosso país. Essas fotos serviram-me para concluir meu pensamento sobre o eixo horizontal que ascende do marco zero cartesiano criado para compreender o modernismo com a participação do povo e o modernismo sem a participação popular.
Mario de Andrade, Tarsila, Oswald, Cavalcanti e tantos outros expuseram o Brasil para que o Brasil pode-se ver. Ou seja, apenas as técnicas, a proposta revolucionária, o bom exemplo das vanguardas e o apoio dos separatistas não bastariam para eternizar a estética moderna. Este movimento nos ensinou que o moderno é fundamentado em uma fórmula antiga, que antecede os conceitos de república, capitalismo e lutas sociais; a posologia que levou o modernismo ao sucesso esta embasada nos conceitos humanistas que a burguesia, por conta de sua preocupação em enriquecer, precisa buscar na simplicidade do proletariado. 
De volta à Rebouças, Marx me deixou escorregar sozinho para o silêncio de meus sonhos e babas na janela do coletivo.


Ari Mascarenhas

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