Aquele que se acostumou
a ler os “épicos garcianos”, que consagraram o escritor colombiano, sentirá
falta de algo neste breve romance. Sobretudo no que se refere à construção das
perturbadas personagens de Cem anos de
Solidão ou ainda da monomania amorosa de Amor em tempos de Cólera.
O breve relato do idoso
narrador em Memória de minhas putas tristes
esboça uma vitalidade psíquica que pouco dialoga com o velho José Arcádio Buendia,
fundador de Macondo, que fora
amarrado em um tronco de árvore e faleceu praticamente esquecido pela família e
outros moradores do vilarejo. Aqui, o velho sem nome, que atende pela alcunha
de “Sábio”, escreve uma coluna semanal de sucesso em um jornal da cidade e
possui a plena ciência de seus atos. Ou seja, esse velho pouco se assemelha aos
antigos “heróis” de Marques. À medida que a leitura se desenvolve sentimos
falta de uma descrição mais pormenorizada de sua história, de seus
descaminhos... O pouco que se revela se instala na narrativa por meio de flashes narrativos sem o mergulho comum em
seus textos.
Contudo o traço garciano na descrição espacial continua
marcante e sinestesicamente impactante, como sempre. O sufoco provocado pelo calor, o odor dos
cantos e as carnes que exalam suas essências empestam as descrições do
ambiente. Continua-se a necessidade de lê-lo com uma garrafa de água por perto.
Outro traço recorrente
em suas obras e que surge com força em Memória
de minhas putas tristes, é a presença de uma importante figura em suas tramas:
A alcoviteira.
Em Cem anos de Solidão, Pilar Temara serve às várias gerações da
família do protagonista e ainda exerce uma influente participação no enredo ao
ser a única testemunha ocular da ascensão e queda dos Buendías. No ótimo Amor em tempos de cólera, é a própria Sra.
Tránsito Ariza, mãe do protagonista, que executará a importante missão de
servir-lhe com mulheres que apaziguarão suas dores oriundas de um amor não
correspondido.
Neste ultimo romance de
Gabriel Garcia Marques, Rosa Cabarcas é, além da cafetã que costura toda a
trama envolvendo o “Sábio” durante sua segunda metade de século, a única amiga
e conselheira do herói do romance. Reforça-se aqui essa marca irremediável deste
escritor que constrói, em suas alcoviteiras, personagens cuja lucidez e
filosofia - embasadas nas experiências de vida - iluminam , acolhem , protegem e
salvam os homens que quase sempre são representantes de importantes figuras da sociedade.
E a alcoviteira se faz
ainda mais necessária já que o autor insiste em reforçar a virilidades de seus protagonistas,
em contraste com imagens físicas por vezes decadentes e a espera da morte.
Enfim, traços
importantes saltam da tela tipicamente colombiana que Marques pinta e que seus
caráter breve nos deixa uma sensação triste e amarga de que faltou fôlego.
Aquele fôlego narrativo
que o próprio autor nos acostumou durante as inesquecíveis viagens que seus
romances de outrora nos proporcionou.
Faltou mais Garcia
Marques nesta curta obra que nos deixa ainda mais tristes porque sabemos que
curto também foi seu tempo de produção, se consideramos o tempo comum dos escritores
de sua geração- De La Hojarasca (1955)
até Memória de minhas putas tristes (2003)
são apenas 48 anos- um produção rica, mas breve em minha opinião. Queira deus
que eu esteja errado. E que não seja
esse seu ultimo suspiro literário, pois quem se acostumou com as epopeias dos
amores abrasadores perpetuados nas obras anteriores, não se contenta com esse
breve coito que a Memórias de putas
tristes nos ofereceu.
Ari Mascarenhas – 13/12/13
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