UM TUCANO

Numa alvorada incerta,
um tucano de asas claras
riscou meu amanhecer.

Levantei-me apressado e furioso
com a ave que agredia meus sonhos;
solavancos sonoros dispersos.

Quando cheguei ao quintal,
deparei-me com um gemido
solene e sombrio.

Uma alma empenada,
de bico baixo e curvado,
pousara em meu varal.

Depois do breve susto,
e de recompor  a firmeza
de minhas pernas vacilantes,
achei que o ouvi soltar
cantigas de povos distantes;
de almas antigas.

Com o abrir do grande bico
entoava um lirismo familiar.
Uma súplica de meu íntimo,
vozes humanas de uma Itapecerica,
que eu, filho da terra, desconhecia.

Vozes de avós.

Reparei em seu olhar de escanteio,
refletindo um brilho glorioso,
pelo sucesso em me acordar.

“Maldita galinha preta e bicuda!”
Esbravejei acompanhado de algo qualquer
que lancei em sua direção.

Esquivou-se de minha cólera,
Com certa tristeza expressa,
fitou-me brevemente,
abriu uma grande capa
e lançou-se ao vento,
para longe de meu olhar atônito.

Anos depois compreendi
aquela visita matinal.
Eram tempos em que uma mata viva
enviava mensageiros nas
molduras de minhas manhãs.

Ele veio se despedir
e junto foi embora também
o mata borrão verde
que via de minha janela.

Para onde foram?
Não sei, mas creio que à praia.
Já que em seu lugar,
nasceu uma enorme anaconda
de concreto e asfalto.

Ari Mascarenhas

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