Toda vez que vejo uma notícia, livro ou
peça cujo tema é a ditadura militar, insistentes rememorações do nazismo
brasileiro (referencia direta aos instrumentos repressivos deste tempo), sinto
que algo falta. E o que me provoca a pensar assim é o fato de ver a sociedade
se movimentando contra a tendência, mais uma vez amparada por opiniões burguesas, em transformar os atos macabros desse período em lenda. A quem
isso interessa? É fácil saber. Transformar a tragédia da pseudo-revolução de 64
em historinhas da carochinha só interessa aos mesmos que apoiaram o regime e
depois foram contra ele. Os imperialistas.
Fico receoso de dizer que o governo
americano apoiou o golpe militar no Brasil e em todos os países latinos
americanos que sofreram a barbárie, porque na verdade eles foram os “pais” do
golpe e não apenas incentivadores.
Nossa revolta contra os militares
brasileiros que festejam a “revolução de 1º de Abril” (porque 31 de março é uma
data muito especial, sobretudo para mim, a ponto de ser manchada dessa forma,
então, datemos de maneira correta), é algo tão parcial, tão superficial e tão
nosso que causa certa repulsa. Não podemos esquecer-nos dos militares e das vítimas,
devemos lutar para que tudo se esclareça, mas o que me incomoda é que não
existe nenhum movimento de aversão aos americanos que por duas vezes apoiaram
regimes ditatoriais no país e ainda são consagrados como heróis – NOSSOS HERÓIS.
Não se trata de xenofobia, é apenas uma
constatação. É história!
No ultimo dia 1º de setembro tive o
imenso prazer de assistir a peça Internato Feminino, desenvolvida por um grupo teatral de Itapecerica da
Serra e dirigida por André dos Anjos, que também é o autor do texto.
A montagem nos remete a um espaço
reservado, um internato, onde são aceitas meninas de famílias abastadas, cada
qual com sua história e sua personalidade. De crenças distintas e sonhos que
dialogam com suas almas femininas e adolescentes. As meninas, visivelmente
orientadas, revelam, no decorrer da peça, marcas de resistência ao regime
imposto no internato. Essas resistências vão desde discussões abertas entre
elas até armações endiabradas contra os símbolos da autoridade local. Um
desses símbolos é a diretora do internato.
A princípio a diretora, também chamada
de “estranha” pelas alunas, é uma personificação do regime militar vigente, mas
no decorrer da peça ela revela a sua imponência contra “as regras que nem
concorda”. Bem, não sou crítico de teatro, e fico muito feliz com isso. Porque
o crítico deixa de viver o melhor da peça para observar detalhes técnicos. Gosto
de ser plateia. E ser plateia na exibição de “Internato Feminino” foi realmente
uma experiência indescritível.
Vou pautar minha observação no texto,
por ser este um rio mais familiar a minha pessoa.
Como disse, a diretora (personagem que
mais me chamou a atenção por diversos motivos) personifica, desde seu figurino
até sua voz rouca e autoritária, um velho país decadente. Um país que fora
violentado em seus direitos, um país furtado de sua liberdade de expressão, uma
país humilhado e acusado de algo que sequer havia possibilidade de se tornar:
Comunista. A diretora do internato é a personificação da “Pátria Mãe Gentil”,
impondo seus valores arcaicos (por serem os únicos que lhe sobravam) a um grupo
de jovens cujo espírito revolucionário grita contra a repressão alimentada
naquele espaço. As marcas de sofrimento estão no caminhar da diretora e ainda
nas lamentações, aparentemente apenas desabafos, que registram uma frustração
com o projeto de um sistema que ela sequer quis que fosse imposto. Os guardas
apareceram com suas roupas finas e engomadas, invadiram seu lar, sequestraram
seus pais, violentaram o seu corpo e mataram o seu futuro, uma pequena criança
de oito anos. A morte cruel da menina é a marca melancólica de um futuro que se
encerra nas paredes de um internato gigantesco, sombrio e cujas regras é a
comunicação editada e o silêncio. A presença desse instrumento opressivo é
sempre soturna e denota devoções amalgamadas nas perdidas crenças utópicas.
Um país que não pode se expressar.
Talvez tenha sido este o maior bastião do levante contra a ditadura e foi
também dentro do internato feminino. As regras, impostas pela diretora que a
mesma não criou, passaram a incomodar as internas e aos poucos, a juventude,
começou a dizer o que sentia e armar defesas contra as mazelas internas. Tudo
isso é empírico na peça. O que é mais marcante, ao meu ponto de vista nesse texto,
é a pressão imposta à diretora.
Pois bem “a estranha” sofria pressões
exteriores, uma nação cuja decadência estava nítida e que as forças
estrangeiras espremiam ainda mais, até sentirem seus ímpetos de transformação
sucumbirem num suspiro aliviado. A canção obscura, a marcha deficiente, a fala
dificultada, a palmatória estridente, o olhar cansado, as roupas de outros
tempos, fazem da diretora uma figura emblemática e reforçam, em seu texto, o
sentimento de frustração de uma sociedade que apoiara o regime e agora se
arrependera. O apoio ao regime militar, sobretudo pela “marcha da Família” era
agora um câncer de tristeza e submissão aos monstros que estavam no poder,
roubando seus filhos, estuprando suas mulheres e matando seus padres. Enfim, as
dores de um golpe que em pouquíssimo tempo mostrou suas garras provocam na alma
da diretora, ou do país, um instinto de sobrevivência que, diante da opressão
que se estabelecera com o AI-5, passa a iluminar as tabernas mais distantes, os
porões silenciosos, os grupos secretos, os textos mimeografados, em uma
resistência coletiva, silenciosa, que em pouco tempo ganharia voz e bradaria
contra os inimigos mais imediatos.
A peça se limita a representar a luta
contra os inimigos imediatos. E, de acordo com sua proposta, supera as
expectativas da plateia ao demonstrar, através da construção da diretora, que a
força exterior é muito maior do que podemos compreender e que lutar contra ela
requer a abstenção de tudo o que julgamos como seguro. A “Estranha” vai para o
DOPS, em seguida desaparece, e deixa o recado para aqueles que se levantam
contra o exterior, para aqueles que almejam derrubar as “torres gêmeas”: Os
heróis, no futuro, serão eles – os opressores!
Os Estados Unidos da América, em seu
projeto anticomunista, promoveram as maiores barbáries do mundo e quase nunca
apontamos para isso. Jogaram a bomba em Hiroshima e os japoneses é que pediram
desculpas, patrocinaram as guerras de desestabilização nos países africanos,
investiram pesado na consolidação dos golpes na América latina e os vilões são:
Pinochet, Geisel, Torrijos, Barrientos, Banzer, Muller, Médici entre outros.
Mas quase nunca são Roosevelt, Truman, Nixon, Ford, Johnson e Kennedy, e
o que é pior, esse ultimo é visto como herói. Herói de quem?
Elenco de Internato Feminino - dia 01/09 Espaço das Artes - Santo Eduardo- Embu / SP |
E hoje, lembramos com lástima os eventos
do golpe e recrutamos os jovens para uma rememoração a fim de não permitirmos
que esse “holocausto brasileiro” seja esquecido, que os militares sejam
punidos, que as vítimas indenizadas; uma retroalimentação do ódio que se torna
alvo de discussões de adolescentes no Mac Donald. Entre um corpo ou outro que é
lembrado, entre uma vítima ou outra que conheço no facebook, entre um
desaparecido ou outro que despareceu vestindo jeans, peço o meu big Mac com
bastante molho e uma coca cola bem gelada oferecida por aqueles que tanto
mataram nessa colônia.
O que o Internato Feminino mostra em sua essência não é a dor das meninas
oprimidas ou de uma diretora que sofre com as feridas nas paredes do calabouço de sua alma,
mas sim, a importância dessa pressão externa sobre os ombros de uma sociedade
submissa que sequer consegue identificar de onde surgem os gritos de ordem, as
marcas nas palmas e o eco coletivo que nos enterra em SILÊNCIO!
Parabéns ao elenco e a direção da
Peça Internato
Feminino. Grupos como esse que
nos faz sentir orgulho dos jovens de nossa cidade.
( fotos: Arquivo pessoal)
Muito boa essa peça !
ResponderExcluirQue saudadeeee
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