Jamais serei brasileiro!

Você tem orgulho de ser BRASILEIRO? Se sim, sugiro que leia esse texto e talvez descubra que está fazendo algo errado contra si mesmo.

Em tempos em que modelos tão ultrapassados de ufanismo retornam ao nosso cotidiano, com pessoas diariamente defendendo as cores patrióticas, os símbolos nacionais e até o velho hino — que agora é cantado (ou tentam cantar) com as duas partes nos eventos esportivos, onde a obrigatoriedade da execução do hino se contradiz com a letra que diz “em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito à própria morte” (liberdade e lei que pune com multa de até 100 mil reais parece não ornar), alguns termos me chamam a atenção. Mas deixemos os símbolos de lado, até porque essa é uma seara que nos levaria longe para entendermos como a camisa do time da CBF (Uma das instituições mais corruptas da história do Brasil) pode ser usada como insígnia de patriotismo e de luta contra a corrupção? Quero abordar aqui algo que independe de sua escolha ideológica ou inclinação política, trata-se da adoção de um termo que reproduz uma imagem muito negativa, de nós mesmos, e quase nunca questionamos sobre o uso dele: O gentílico “brasileiro”.


Segundo Maurice Halbwachs (2010), as estruturas linguísticas configuram discursos que atuam diretamente na formatação de uma sociedade. Ou seja, as palavras e seus respectivos conceitos, com ou não variações, agregam em si enormes cargas discursivas que nos condicionam à reprodução de conceitos e valores em nossas relações. No entanto, a reprodução, de acordo Durkheim (2013), é quase sempre destituída de reflexão crítica, disseminando assim padrões, juízos, convicções e princípios que não foram criados pelos usuários do termo, mas pelos antigos dominantes. E o pior, na maioria das vezes a reprodução acrítica de determinadas sentenças impacta negativamente contra os próprios proclamadores. Se você não é da área de humanas, talvez esses conceitos possam lhe parecer muito abstratos, mas fique tranquilo, a seguir vou mostrar um caso prático (que é o tema deste texto) para compreendermos de maneira mais clara o que é a “morfologia social”.


Você sabia que o gentílico “brasileiro” foi, até o começo do século XX, um termo pejorativo atribuído aos portugueses que exploraram a antiga colônia e voltavam para Portugal ricos, mas destituídos de cultura? Ou seja, eram considerados chulos e, apesar de ricos, não mereciam respeito da elite portuguesa. São inúmeras as citações de personagens “brasileiras “na literatura portuguesa, desde Padre Antonio Vieira à Eça de Queirós. O brasileiro como figura literária era quase sempre um bufão e carregava em si duas contradições, a imagem do progresso financeiro e o retrocesso à selvageria, comum naqueles que não convivem com os hábitos modernos e civilizados da sociedade oitocentista europeia. Portanto, brasileiro é uma figura mitificada no imaginário popular cujas posses não obscurecem a sua conduta reprovável, seu caráter duvidoso e sua completa ausência de sofisticação.


Agora pensem em uma rima para a palavra brasileiro? O que apareceu: Pedreiro, padeiro, fuzileiro, barbeiro… entre outras, não foi? Observem que essas palavras têm algo em comum: São profissões. Ou seja, estão diretamente associadas à função exercida por alguém. Logo, brasileiro é, literalmente, aquele que vive da extração do pau-brasil. Ou aquele que enriquece do trabalho no Brasil, conforme readequou-se no léxico português do século XIX, segundo Machado (2003).

O sufixo “eiro” ou “eira” (cabeleireira, costureira etc.) são exclusivamente utilizados, em língua portuguesa, para indicar a profissão exercida pelo indivíduo.

Agora, diga a si mesmo se você conhece algum país no mundo em que o adjetivo gentílico, aquele que identifica o povo, suas respectivas culturas e tradições possuí o termo referencial dessa identificação diretamente atrelado a uma função laboral? Pode pensar à vontade. Você dificilmente irá encontrar.

Dessa forma, quando nos identificamos como “brasileiros” reforçamos o estereótipo do homem trabalhador, honesto e confiável? NÃO!!! Lembre-se que quem criou o termo foram os portugueses e brasileiro é só alguém que pratica algo manual, ganha mais do que eles (possivelmente) e não possuí nenhuma cultura que mereça a atenção. Aliás, não possui cultura nenhuma. Brasileiro é talvez um emergente, mas um certo ignorante.

Não estou dizendo que é assim que os portugueses e o mundo nos veem atualmente, mas é assim que nos apresentamos e entoamos o tal orgulho de “Ser brasileiro”. Junto com o antiquíssimo modelo idealizante de uma nação unificada, uniforme e cristã, alimentado pelo ufanismo (que por si só já nos carimba como ignorantes), a palavra brasileiro não identifica a pluralidade cultural, religiosa e linguística que nos configura, mas sim nos recoloca às posições servis à coroa portuguesa, do século XIX. Como não existe mais monarquia em Portugal e com a consolidação do domínio das corporações cujas matrizes estão sediadas nas potências desenvolvidas, então o termo serve para nos lembrar que os reis mudaram, mas os servos jamais mudarão.

O termo correto, em língua portuguesa, que atribui o sentido de natividade, de origem, ou de características é formatado pelo sufixo “ano” (moçambicano), “ão” (alemão), “ense” (paranaense), “ês” (japonês) e “eu” (europeu). Dessa forma, correto estão os italianos, que desde sempre nos identificaram como “brasilianos”. Portanto, faça o bem para a nossa língua portuguesa, de hoje em diante afirme-se, defenda, ensine o seu espírito patriota a ser “brasiliano”, pois “brasileiro” em nada ajuda a sua imagem e ainda contribui para reforçar esteriótipos preconceituosos que não raro surgem nas relações dos tupiniquins com os “desenvolvidos”.

Mas se ainda não está convencido em adotar o termo “brasiliano”, pois se sente apegado ao “brasileiro” como uma ferrugem se apega a uma barra de aço, tenho mais um argumento associado ao termo. Se você é patriota e defende a cultura e os valores do nosso país, não ajude a atrelar nossa identidade às funções laborais que ajudaram a extinguir o nosso maior símbolo nacional. Símbolo esse que não foi criado por nenhuma campanha política e tampouco por instituições de caráter duvidoso, foi confeccionado pela natureza que assim como ele é tão mal tratada por nós: O pau-brasil.

Agora se você é daquele que faz continência, exalta e carrega a bandeira americana em suas manifestações públicas, se você defende a inserção no calendário nacional de feriado para o dia 4 de julho, e usa o lema “Make Brazil Great Again” como clara demonstração do seu nacionalismo brasileiro, o que eu posso lhe dizer é que você está muito certo. Parabéns! De fato, essas são ações de quem se vê como “brasileiro” — rude, servil e ignorante. O seu desrespeito por você mesmo é tão grande que você é incapaz de perceber que até o norte-americano, a quem tanto você se inclina e se oferece, te chama de “brasiliano”, já que brazilian, observe o sufixo, nada tem a ver com profissão.

Essa discussão nada tem a ver com xenofobia, até porque no Brasil é comum a xenofobia contra imigrantes africanos, latinos e até orientais; mas, nosso espírito servil nunca nos deixou trair nosso compromisso com os antigos senhores dessas terras e seus herdeiros vitalícios.

Portanto, tenha mais amor por si mesmo. Respeite a diversidade da sua pátria e a natureza de seus filhos que aqui nasceram e que morreram brasilianos.


Ari Silva Mascarenhas de Campos*

Coimbra, 01 de setembro de 2020.


*Professor, escritor, poeta e ensaista brasileiro. Investigador ativo das literaturas contemporâneas. Doutorando da Universidade de Coimbra.


Referências bibliográficas

DURKHEIM, Émile. The Rules of Sociological Method:And Selected Texts On Sociology And Its Method. Londres: Macmillian education U.K., 2013.

HALBWACHS, Maurice. Morfologia Social. Lisboa: Edições 70, 2010.

MACHADO, José P. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Volume 1. Porto: Livros Horizonte, 2003.

 


Para Dona Malvina 

À mulher mais importante de minha vida. 

Mãe, acho que a senhora já sabe o quanto eu escrevi nessa vida. Sabe que publiquei livros, artigos acadêmicos, posfácios, prefácios, artigos de jornal, manifestos, declarações, inventários e inúmeros documentos. 

Sabe que escrevi poesias, de amor, de saudade, de felicidade. Poesias de protesto, poesias de resignação, de alegrias, de decepção, poesia religiosa, poesia pagã. Poesias para muitos amigos, para os meus irmãos, para desconhecidos, para muitas mulheres. 

Sabe que escrevi cinco livros só com poesias. Algumas boas, outras nem tanto, algumas inspiradas, outras só para cumprir páginas, e outras ainda piores que me foram encomendadas. 

Sabe que eu escrevi diários, desde quando tinha oito anos. Aliás, ainda os escrevo, claro que hoje com menos intensidade que os meus impulsos adolescentes pediam na minha juventude. Escrevi jornais, na escola. Escrevi inúmeras provas, trabalhos, resenhas, resumos, dissertações, explicações, felicitações... Escrevi muitas histórias. Contos, romances, escrevi desenlaces que na vida real jamais resolvi... Quantas canções. 

Foram tantos os motivos que me fizeram e ainda me fazem escrever que nem sei dizer  o que é realmente importante e o que não é, na hora de decidir se deixo ou não escrito. Mas sempre escrevi para as pessoas que me importavam.

Então, a escola em que trabalho atualmente, decidiu que faria um trabalho para o dia das mães e a coordenadora, para quem eu já escrevi muitas mensagens, me pediu que eu orientasse os meus alunos nessa atividade. Bem, passei alguns dias pensando em algum texto motivador para apresentar a eles, como exemplo do que se pode escrever para uma mãe. 

Foi aí que eu me dei conta do erro que cometi, sem nunca ter percebido. 

Escrevi a vida inteira, para tanta gente com quem me importei, para tantas namoradas que nunca mais me olharam, para tantos amigos que já me abandonaram há tanto tempo, para tantos alunos que já se formaram, para tantas línguas que não ouço mais, para tantos ouvidos que se fecharam...Mas para a única pessoa que nunca me abandonou eu jamais escrevi uma única linha. Exceto aquele “amor” que costurei no coração de algodão produzido no trabalho da minha terceira série. Coração esse que eu sei que a senhora ainda guarda, na sua velha caixinha de costura, e que toda vez que espeta uma agulha lê a única palavra que deixei registrada para ti.

Por isso, minha amada e querida mãe, hoje escrevo para dizer que essa será a primeira de muitas cartas que lhe enviarei, porque ninguém nessa vida merece, para mim,  mais palavras de amor, de carinho e de eterna gratidão quanto a senhora.

Por isso encerro esse pequeno relato com alguns curtos versos que teci exclusivamente para ti.

 Mãe querida, mãe amada

De ti, são doces as lembranças

De ti, vem a força que me apoio

De ti, vem a certa esperança

 

Se me movo, se me deito,

Se me ergo, se caminho,

Se existo, se logo penso,

É por ti, por teu carinho.

 

Mãe, termo que entristece o poeta,

por ser a única palavra que não rima,

Mas até nisso, fez-me na vida feliz

Já que a posso substituir por Malvina.

 

Perdoe-me, por tanto demorar

A oferecer homenagem nesses versos.

Agora, como primeiro ato registrado

Meu amor e meus sentimentos eternos.

 

À você rainha, minha ode se amplia

E faço da vida à ti honrarias altivas

Seguindo os ensinamentos que me dera

Em suas horas humanas e divinas.

 

Feliz dia das mães.

 

De seu filho que tanto te ama,

Ari Mascarenhas