Então, Morpheu
faz uma breve apresentação parcial do que é a Matrix, destacando que
toda a realidade que permeia a vida que Neo conhece é na verdade um espectro
falso, criado para escravizar e aprisionar aqueles que nela vivem. Na sequência
da cena, eis a oferta de libertação. Morpheu oferece, numa clara alusão ao
“livre arbítrio” cristão, a opção de Neo continuar vivendo a ilusão projetada
na Matrix, tomando a pílula azul, ou se libertar e vivenciar a realidade em uma
ótica mais profunda e, portanto, mais real. Para isso, ele precisa tomar a
pílula vermelha. Neo escolhe a segunda opção, mas não sem antes ser alertado
por Morpheu de que essa escolha não tem volta. A cena se encerra com Morpheu
saindo do recinto e, tal como o coelho de Alice, chamando Neo para que o
acompanhasse no universo que estava na iminência de se revelar.
O mundo Moderno, que se instaurou com a queda das nobrezas europeias e a ascensão burguesa no final do século XVIII, foi concebido por intermédio de uma série de pensamentos questionadores que culminaram na compreensão de que a Liberdade e a igualdade eram direitos de todos os seres humanos. Essa série de pensamentos que permeou tanto campos filosóficos, religiosos e até artísticos foi denominada de Iluminismo.
O pensamento iluminista sempre valorizou a
expressão artística como forma de compreender a realidade e discuti-la.
Contudo, os poderes concentrados nas novas elites fizeram com que o projeto de
“mundo moderno” se tornasse, ainda no século XIX obsoleto e cruel com a maior
parte da população europeia. Enfim, vieram os avanços científicos e com eles
novas perspectivas do pensamento humano se desenvolveram. A arte, cuja natureza
principal é o questionamento, também rompeu com as amarras românticas, idealizadas,
e propôs, para além do culto à forma, um espaço de reflexão, de questionamento,
ou ainda de libertação.
Esses movimentos artísticos foram denominados
de “Vanguardas” e sua consolidação no início no século XX, sobretudo ao usurpar
as formas literárias já tradicionais ( o romance e a lírica) formatou a escola
moderna. Contudo, para compreender uma obra moderna, com seus questionamentos,
com suas inquietações, com suas propostas revolucionárias, com suas estéticas,
com suas releituras históricas e principalmente com sua libertação das amarras
de modelos já consolidados e opressores, é necessário tomar a pílula vermelha.
A pílula vermelha é aquela que te liberta da
alienação, que te permite reconhecer o rompimento das expressões e reforçam os
elementos das impressões( Expressionismo). É aquela que te permite filtrar as
propostas do futuro de forma a afastar toda e qualquer possibilidade de retorno
aos modelos totalitários e opressores (futurismo). É aquela que propõe um olhar
artístico até onde não se tem arte ( no amor, ou no elevador) reconhecendo que
o artístico está na inutilidade primitiva do objeto (dadaísmo).Ou ainda, na
melhor parte dela, é o rompimento total da censura da forma permitindo que sua
mente e seu corpo naveguem livremente por todos as dimensões da realidade
(surrealismo).
Enfim, a pílula vermelha não tem volta, porque
uma vez libertado da alienação social, política, consumista, individualista e
formal, não há mais volta. O indivíduo jamais se deixará aprisionar sem
cogitar, em algum momento, a possibilidade de se rebelar.
O modernismo é o movimento cultural que envolve
todas essas premissas e, consequentemente, reestrutura o pensamento literário
fazendo com a arte sirva a um propósito cada vez mais claro e libertador:
QUESTIONE! Pois assim, seguindo sempre o coelho da curiosidade e da
inquietação, você poderá alcançar sempre o novo, e ser o seu próprio NEO!