As memórias são editadas, quase
sempre, com o esforço contínuo do sentimento presente, do sentimento vivo no
momento da exposição, e por conta dessa espinha dorsal certas cenas são
posicionadas de maneira não linear.
Normalmente os livros de memórias
são organizados sem se preocupar em reproduzir, na estética, esta
característica, haja vista que o termo memória acaba endossando uma espécie de
discurso onipresente do narrador e distante da reprodução real dos fatos.
Nesse sentido o romance de Oswald
está muito próximo dos princípios realistas do que a maioria pode imaginar. A
fragmentação textual, em diálogo com as vanguardas da época, reporta essa
verossimilhança que os textos convencionais não conseguem alcançar.
Se não for sentimental a memória
é mecânica, ou distanciada (neste caso em terceira pessoa - o que a deixa ainda
mais ficcional); e é aí que o texto de Oswald nos surpreende em sua
"clareza" - isso mesmo clareza de exposição. Assim como a fragmentação
linguística de Guimarães nos trouxe outro olhar sobre a reprodução da linguagem
popular, as imagens de Memórias Sentimentais de João Miramar nos permite olhar
para a memória de maneira mais aproximada, e menos apaixonada, de como ela
verdadeiramente se expõe na mente humana.
Pense em sua história e perceba
que a fragmentação é inevitável. O romance pode ser construído sem o labor
editorial que compõe uma linha única de exposição. João Miramar nos oferece os
trechos impulsivos de sua memória sentimental tal qual ela as imagens exigem
espaços na sua elucubração. O resultado disso, de acordo com a belíssima
introdução de Haroldo de Campos, na edição de 1971, “... faz perimir o conceito
de romance, de novela ou de conto, diante de uma nova ideia de texto".