A escolha

Toda escolha
pode ser rocha
pode ser bolha.

Toda escolha
colhe.

Quando não coalha,
calha.
Quando não talha,
falha!

Toda escolha
rompe com a velha,
como navalha.

E ao final 
desta breve marca
que minha mão 
entalha

Busco a escolha
que me valha.




Ari Mascarenhas (21/01/2014)

Romance em fragmentos - Memórias Sentimentais de João Miramar ( Nota de Leitura)

As memórias são editadas, quase sempre, com o esforço contínuo do sentimento presente, do sentimento vivo no momento da exposição, e por conta dessa espinha dorsal certas cenas são posicionadas de maneira não linear.
Normalmente os livros de memórias são organizados sem se preocupar em reproduzir, na estética, esta característica, haja vista que o termo memória acaba endossando uma espécie de discurso onipresente do narrador e distante da reprodução real dos fatos.
Nesse sentido o romance de Oswald está muito próximo dos princípios realistas do que a maioria pode imaginar. A fragmentação textual, em diálogo com as vanguardas da época, reporta essa verossimilhança que os textos convencionais não conseguem alcançar.
Se não for sentimental a memória é mecânica, ou distanciada (neste caso em terceira pessoa - o que a deixa ainda mais ficcional); e é aí que o texto de Oswald nos surpreende em sua "clareza" - isso mesmo clareza de exposição. Assim como a fragmentação linguística de Guimarães nos trouxe outro olhar sobre a reprodução da linguagem popular, as imagens de Memórias Sentimentais de João Miramar nos permite olhar para a memória de maneira mais aproximada, e menos apaixonada, de como ela verdadeiramente se expõe na mente humana.

Pense em sua história e perceba que a fragmentação é inevitável. O romance pode ser construído sem o labor editorial que compõe uma linha única de exposição. João Miramar nos oferece os trechos impulsivos de sua memória sentimental tal qual ela as imagens exigem espaços na sua elucubração. O resultado disso, de acordo com a belíssima introdução de Haroldo de Campos, na edição de 1971, “... faz perimir o conceito de romance, de novela ou de conto, diante de uma nova ideia de texto".

Não dava pra ouvir

O político no estúdio
dissertava
autoritário
o seu quieto discurso
mudo
entre os vidros de um aquário.


O político no rádio
descrevia
temerário
o seu certo percurso
torto
entre as fichas de um fichário.

Cada ficha
era a escama
de um peixe
imaginário.
Cada frase
(barbatana)
era um feixe
de membranas,
surdo vocabulário
na garganta atravessado.

O politico se agitava
cada ficha soletrada
era a página
de outra folha já virada;
era a lâmina cortada
de um lacrado dicionário;
era o sono radiofônico
de outros peixes
nas águas de outro aquário.

O que o político explicava
em seus silêncios de nada
não chegava
aos ouvidos de quem ouvindo
não ouvia sua palavra.


Mário Chamie

à Violeta Pandolfi