Notas sobre a Identidade e a Passagem do Tempo : Um breve olhar para o poema 'Uma canção' de Mário Quintana"

 

Uma canção

 

Minha terra não tem palmeiras...

E em vez de um mero sabiá,

Cantam aves invisíveis

Nas palmeiras que não há.

 

Minha terra tem relógios,

Cada qual com a sua hora

Nos mais diversos instantes...

Mas onde o instante de agora?

 

Mas onde a palavra “onde”?

Terra ingrata, ingrato filho,

Sob os céus da minha terra

Eu canto a Canção do Exílio!

 

(QUINTANA, Mário. Poemas para ler na escola. Ed Objetiva. São Paulo, 2011)

 

O poema "Minha terra não tem palmeiras..." de Mário Quintana é uma obra que ressoa com uma profundidade e uma melancolia que são intrínsecas à experiência humana. Através de imagens poéticas e questionamentos filosóficos, Quintana nos leva a uma jornada de reflexão sobre identidade, pertencimento e a passagem do tempo.

A ausência de elementos típicos associados à identidade nacional, como palmeiras e sabiás, inicialmente pode parecer uma simples descrição geográfica, mas revela-se uma metáfora poderosa para a sensação de desenraizamento e alienação que muitos de nós experimentamos em relação às nossas origens. A presença das "aves invisíveis" nas palmeiras inexistentes adiciona uma camada de mistério e transitoriedade, sugerindo a efemeridade da própria identidade e das nossas percepções.

A imagem dos relógios, cada um marcando sua própria hora em diferentes instantes, é uma representação vívida da fragmentação temporal que caracteriza a nossa experiência do tempo. Essa fragmentação, aliada à pergunta angustiante sobre "onde" está o instante de agora, ressalta a dificuldade de viver plenamente no presente, enquanto somos constantemente puxados para o passado ou o futuro.

A expressão "Terra ingrata, ingrato filho" ecoa com uma resignação dolorosa, revelando a complexa relação entre o eu lírico e sua terra natal. A referência à "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias adiciona um elemento de tradição e continuidade à poesia, sugerindo que o sentimento de saudade e deslocamento não é apenas pessoal, mas compartilhado por muitos que vieram antes.

No geral, o poema de Quintana é uma meditação profunda sobre as nuances da identidade, a passagem do tempo e a busca por um senso de pertencimento em um mundo em constante mudança. Sua linguagem poética e suas imagens evocativas convidam à reflexão e à introspecção, proporcionando uma experiência de leitura enriquecedora e significativa.

Eu recomendaria a leitura deste poema, especialmente para aqueles que apreciam a poesia que desafia e transcende as fronteiras da linguagem e da experiência humana.

 (Violeta Pandolfi)