A classe media do Brasil contemporâneo


( Este é um desabafo contra  aqueles que não acreditam no Brasil. Esse povo pessimista que fica emporcalhando a paisagem tão bem vendida lá fora, que reflete o país das oportunidades e das realizações).


O verdadeiro retrato da felicidade está na beleza dessa gente, com seus calçados caros e suas roupas de marca, com suas mansões de pé direito alto, de caros balaustres, piso travertino na cor madrepérola, sob um teto solar que de noite traz o bailar das estrelas como companhia.
Crianças que gozam de uma saúde de aço, com suas barrigas bem alimentadas, cujo prato dispõe de espaço pras frutas da época, hon-maguro e trufa branca.  Uma mesa sempre farta, geladeira abarrota de alimentos, yogurtes e sucos  dos mais variados sabores.
Uma alimentação como essa só poderia resultar no belíssimo desempenho escolar que essas crianças têm. A de vestido vermelho já sabe o que fará com seu diploma de doutorado. A mais tímida, na porta da mansão, nos observa e avalia nossa descrição com seu olhar atento que só uma boa médica poderia dispor. A mãe, não precisa nem dizer, é PHD em Química, formou-se no exterior e hoje deixou as atividades acadêmicas em segundo plano, decidiu dedicar-se ao universo da arte e ao glamour dos vernissages, aliás, essa é uma rara aparição dela no seio familiar, ao lado de filhos e filhas tão bem encaminhados na vida que fazem com que ela tenha esse sorriso inquebrantável no rosto.
A criança encostada na parede é a que optou pela carreira de modelo fotográfico, faz pose até para foto de família. O que está no colo é um gênio, antes de completar o primeiro ano já consegue observar até os espaços não evidenciados e, claro, como todo gênio é cheio de modéstia, deixa de encarar a lente por ser o mais egocêntrico do grupo, deixou de mamar ainda cedo, não porque não houvesse leite, mas porque julgou não mais precisar. Leite materno é para fracos. Aliás, essa é uma máxima nessa família e em todas as famílias abastadas da nossa sociedade, deixam de amamentar cedo, por opção, contrariando aquelas campanhas canastronas que aparecem na televisão, ou melhor, no telão que eles veem na sala de estar. São campanhas que só servem pra países subdesenvolvidos, não esse. Aqui, pode-se deixar de mamar, existem outros tantos alimentos, à disposição de todos, que nutriram os desmamados sem maiores problemas.
Ao fundo, uma bananeira, talvez a coisa mais sem nexo nessa fotografia. Afinal, o que faz uma bananeira, fruta comum entre os pobres, numa fotografia que reflete a beleza de uma rica família brasileira? Uma falha do fotógrafo, sem dúvida. Prefiro esquecê-la, esse detalhe me faz lembrar os tempos em que meu país tinha pobreza, que pessoas passavam fome, eram doentes, analfabetas e numerosas; não tinham tratamento médico, dentário, nem escolas e nem comida. Como disse, prefiro esquecer. Como é lindo ser classe média. Viver num país em que o cenário comum é a fartura expressa no olhar de famílias bem-nutridas e cheias de saúde pra dar e vender e fazer gringo morrer de inveja.
 
Obrigado meu Brasil, obrigado presidente, nossos governantes de hoje e de ontem. Obrigado por nos fazer acreditar em imagens como essa que tentei retratar, uma imagem do rico e próspero Brasil do presente

desse filho que não foge à luta!

As palavras do poeta que imortalizou o homem!



Ah! Absalão!Absalão! – Permitam-me que lhes transcreva as palavras do artista Faulkner que imortalizou o homem William.


Autor de diversos romances, contos e roteiros cinematográficos, o escritor americano Willian Cuthbert Faulkner (1987-1962), recebeu em 1949 o Prêmio Nobel de literatura e , na cerimônia do Prêmio, declamou um discurso que ficou imortalizado pelo estilo peculiar. O aguçado fluxo de consciência, presente nas obras do autor, fora apresentado de forma primordiosa em sua retórica que deixava, naquele momento, de ser apenas um discurso para se tornar história.


“Senhoras e senhores, sinto que este prêmio não foi concedido a mim enquanto homem, mas o meu trabalho — o trabalho de uma vida na angústia e no sofrimento do espírito humano, não pela glória e menos ainda para obter lucro, mas para criar dos materiais do espírito humano algo que não existia antes. Assim, este prêmio está tão somente sob minha custódia. Não será difícil encontrar, para sua parte financeira, um destino condizente com o propósito e significado de sua origem. Mas eu gostaria de fazer o mesmo com esta aclamação também, utilizando este momento como o pináculo a partir do qual posso ser ouvido pelos jovens homens e mulheres já dedicados à mesma agonia e faina, entre os quais já está aquele que um dia estará aqui onde eu estou.
“Nossa tragédia, hoje, é um geral e universal temor físico suportado há tanto tempo que podemos mesmo tocá-lo. Não há mais problemas do espírito. Há somente a questão: quando irão me explodir? Por causa disto, o jovem ou a jovem que hoje escreve tem esquecido os problemas do coração humano em conflito consigo mesmo, os quais por si só fazem a boa literatura, uma vez que apenas sobre isso vale a pena escrever, apenas isso vale a angústia e o sofrimento.


“Ele, o jovem, deve aprendê-los novamente. Ele deve ensinar a si mesmo que o mais fundamental dentre todas as coisas é estar apreensivo; e, tendo ensinado isto a si mesmo, esquecê-lo para sempre, não deixando espaço em seu trabalho senão para as velhas verdades e truísmos do coração, as velhas verdades universais sem as quais qualquer estória torna-se efêmera e condenada — amor e honra e piedade e orgulho e compaixão e sacrifício. Antes que assim o faça, ele labora sob uma maldição. Ele escreve não sobre amor, mas sobre luxúria, sobre derrotas em que ninguém perde nada de valor, sobre vitórias sem esperança e, o pior de tudo, sem piedade e compaixão. Sua atribulação não aflige ossos universais, não deixa cicatrizes. Ele escreve não a partir do coração, mas das glândulas.“Até que reaprenda estas coisas, ele irá escrever como se compartisse e observasse o fim do homem. Eu me recuso a aceitar o fim do homem. É bastante cômodo dizer que o homem é imortal simplesmente porque ele irá subsistir: que quando o último tilintar do destino tiver soado e se esvaecido da última rocha inútil suspensa estática no último vermelho e moribundo entardecer, que mesmo então haverá ainda mais um som: sua fraca e inexaurível voz, ainda a falar. Eu me recuso a aceitar isto. Creio que o homem não irá meramente perdurar: ele triunfará. 



Ele é imortal, não porque dentre as criaturas tem ele uma voz inexaurível, mas porque ele tem uma alma, um espírito capaz de compaixão e sacrifício e resistência. O dever do poeta, do escritor, é escrever sobre essas coisas. É seu privilégio ajudar o homem a resistir erguendo seu coração, recordando-o a coragem e honra e esperança e orgulho e compaixão e piedade e sacrifício que têm sido a glória do seu passado. A voz do poeta necessita ser não meramente o registro e testemunho do homem, ela pode ser uma das escoras, o pilar para ajudá-lo a subsistir e prevalecer.”