Acabo de ler
a trilogia de Eduardo Ferrari acerca das deliciosas crônicas sobre a vida de um
menino (Bernardo) com TDAH – Transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade. Sigla complicada que, para o protagonista Bernardo, só pode ter
sido criada por alguém “desatento. Ou hiperativo. Ou inquieto. Ou
impulsivo”. Os livros acompanham o
desenvolvimento de uma criança “elétrica”, por vezes “distraída”, por vezes
“falante” em suas relações familiares, escolares, sociais e individuais; seus
questionamentos, suas brincadeiras, suas descobertas e, principalmente, suas
construções de significado, sensivelmente, observadas pelo pai-narrador que
mescla seus próprios aprendizados com as evoluções do protagonista.
Conhecia
muito pouco a respeito do tema, mas o livro me instigou a procurar mais sobre
o Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) que afeta entre 3%
e 5% das crianças em idade escolar, sendo mais prevalente entre meninos. A
leitura dos contos permite observar que uma das principais características do
TDAH é a dificuldade em manter o foco
nas atividades propostas e agitação motora. Este distúrbio neurobiológico
crônico, marcado por desatenção, hiperatividade e impulsividade, tipicamente se
manifesta na infância, mas pode persistir ao longo da vida sem tratamento
adequado. Além disso, como acontece na trilogia, esse transtorno pode impactar o desempenho
acadêmico, resultando em rótulos injustos que não refletem o potencial dessas
crianças no âmbito psicopedagógico. O TDAH não é um fenômeno recente, sendo
descrito já no século 19, e sua incidência é uniforme em todo o mundo. Segundo
o DSM-IV, pode ser categorizado em três tipos principais: predominância de
sintomas de desatenção, de hiperatividade/impulsividade ou uma combinação dos
dois.
A trilogia
nos ensina a entender um pouco mais os sintomas do TDAH, como desatenção,
hiperatividade e impulsividade, e reduzir assim o impacto negativo nas
interações sociais, na vida familiar e no desempenho acadêmico ou profissional
das pessoas afetadas. Esses sintomas podem variar em intensidade e
comprometimento. Na presença predominante de desatenção, indivíduos enfrentam
dificuldade em se concentrar, organizar suas atividades e seguir instruções,
podendo pular de uma tarefa para outra sem concluí-las, como acontece com o
protagonista em diversas narrativas dentro da coletânea. Distraem-se
facilmente, esquecem compromissos ou onde colocaram seus pertences, têm
dificuldade em prestar atenção a detalhes e cometem erros por falta de cuidado,
prejudicando o aprendizado e o trabalho.
Aprendemos
com o protagonista, e o olhar atento do pai, que na hiperatividade, as pessoas tendem a ser
inquietas, agitadas e falam excessivamente. É difícil para elas se envolver em
atividades tranquilas ou manterem-se em silêncio durante brincadeiras ou
trabalhos. Quando a impulsividade é proeminente, são impacientes, agem sem
pensar, têm dificuldade em ouvir até o final, falam precipitadamente e se
intrometem em assuntos alheios.
Embora na
adolescência e fase adulta os sinais de hiperatividade possam diminuir, outras
dificuldades persistem e os impactos negativos no dia a dia se acumulam,
afetando a autoestima das pessoas afetadas.
No último
livro da trilogia, “Falante”, o personagem “Bernardo” transfere-se para o
narrador, oferecendo ao leitor a perspectiva do jovem com TDAH. Nessa belíssima
experiência, podemos acompanhar a perspectiva do adolescente em diversas
situações, com destaque para sua visão acerca da pandemia de Covid-19. Enquanto
o mundo lamentava o isolamento e sofria com as ausências que essa tragédia
provocou, Bernardo estava feliz em não ter de ir à escola, em poder ficar mais
tempo em frente a um computador; enfim, em poder nas palavras dele ser “O
menino Cibernético” e poder assistir, mesmo que de pijama, o mundo passando à
sua vista. O universo sobre a perspectiva do menino falante é mais simples,
mais proveitoso, mais grato. Sem lamúrias do que se vive, mas apenas do que não
se quer perder. Assim, como tudo o que acompanhamos nesses três livros sobre
“Bernardo”, o mundo é mais “presente”; e o universo de suposições e imaginações
abastecem o que há de mais importante na vida: o momento.
O que aprendi
com essa trilogia e com a convivência quase que diária com “Bernardo” nos
últimos meses, é que o mundo, para ser compreendido em sua totalidade e beleza,
necessita de diferentes olhares; alguns, inclusive, que fogem ao que
convencionalmente se optou por chamar de “normalidade”, já que o que nos
entrega as possibilidades de mudanças das realidades que vivenciamos passa,
indiscutivelmente, pela nossa capacidade de racionalizar menos e sentir cada
vez mais. O mundo sensível de “Bernardo” é bem mais sincero, simples e, por sua
natureza, mais PRESENTE do que o eventualmente vivemos.