Itapecerica – decadência e hipocrisia (notas de um nativo).




Itapecerica – decadência e hipocrisia.

A cidade onde vivo já teve tempos melhores. Itapecerica da Serra, nos áureos anos das corridas de carros, era exatamente como uma pequena vila deve ser: um ou outro comércio, famílias que se conhecem, pouca pavimentação e o serviço básico de atendimento para seus moradores. À medida que o tempo foi passando, a cidade foi inchando. Isso mesmo, Itapecerica inchou, não prosperou.
Milhares de pessoas chegaram à região incentivados pela especulação imobiliária que por sua vez foi corroendo o que nos restava de mata atlântica. Mas os serviços não foram adequados para o desenvolvimento que se promovia. O comércio capengou por anos e hoje também faz parte dessa grande bolha que para alguns convém chamar de progresso.
Ao passear por minha cidade vejo as marcas do desprezo em quase todas as ruas e vielas, e não se trata de um problema pautado na administração atual, mas no conceito de administração que rege essa provinciana comunidade. O pensamento do “quanto menos pior melhor” presente no discurso das pessoas que sobrevivem de maneira esmoleira aos caprichos dos seus dirigentes, o temor de uma transformação que coloque em risco determinadas regalias de classes abastadas e, sobretudo a indiferença com que tratam o cidadão itapecericano e todos os potenciais artísticos, econômicos e sociais de nosso município.
A rede de saúde e de ensino é precária e não atende de forma satisfatória nem aqueles que utilizam esporadicamente seus serviços. Filas e filas nas madrugadas, às vezes chuvosas, ao lado do posto de saúde central. Os corpos enfermos nos corredores do hospital e do pronto socorro. Horas para atendimentos simples e meses para consultas mais sérias. Escolas em visível decadência, professores sem preparo, salários cômicos e estruturas ridículas que nada acrescentam no aprendizado dos alunos.
Uma cidade triste por natureza, de pessoas cabisbaixas pelas ruas, de políticos mal intencionados, de uma burguesia bem estabelecida (alguém sempre lucra com o caos), de corruptos imunes, de um clero hipócrita, de uma cultura abandonada, de uma história esquecida, de um presente sem comemoração alguma. Ou seja, a cidade onde moro é um amontoado de pessoas e problemas, em alguns pontos chega a se assemelhar aos campos de concentração nazistas. Se alguém discorda, dê uma passadinha em bairros do distrito do Jacira, por exemplo. Ou seja, Itapecerica é uma bela maquete de um país como o nosso. O sudeste, região aqui representada pelo Delfim Verde, se esbalda nas riquezas adquiridas com a exploração do restante da região. Mas quando questionados, sobre os enriquecimentos assustadores diante de misérias tão gritantes, o discurso é sempre o mesmo: - O Brasil está crescendo.
Itapecerica da Serra é um mórbido instantâneo do abandono. O que existem de bom aqui? Perguntaram-me alguns schopenhauerianos de plantão, e eu responderei que se pode valorizar alguns poucos aspectos dessa pedra, e um deles é a resistência que alguns artistas promovem em seus discursos estilísticos revoltosos, que propõe mudanças possíveis e que assumem os seus telhados de vidro. Itapecerica ainda tem matas, ainda tem nascentes, ainda tem pessoas de bom coração, ainda tem grupos comprometidos com o seu crescimento, mas tudo isso por enquanto, já que a vertiginosa queda em que estamos, e sua íngreme loucura, em breve não nos permitirá sequer escrever um único parágrafo de uma nostalgia positiva em um artigo de opinião intitulado “o espaço onde vivo”.


(Ari Mascarenhas - 04/2013)

O poeta*


À Manoel de Barros

Quando criança sempre quis ser poeta (...)

Aprender a escrever logo e contar os encantos com os raros brinquedos que tive.

Juntar as palavras e guarda-las no papel; depois por uma capa bonita, com desenhos do meu irmão, e descansa-las nesse álbum na estante de casa.
(...) entre  Júlio Verne e Lewis Carrol, deixar meu livro curtir, como deliciosas batatinhas de festa de aniversário, que respingam nos dedos e nos palitos atravessados.
Depois de um tempo, ou de muito tempo, folhear suas páginas amareladas, com uma saudade rubra na face e a certeza de que meus dias mais felizes ficaram ali.
Que meu quintal encantado, onde vivi minhas primeiras descobertas, se refaria.
Meu quarto aquecido, onde criei todas as minhas estórias, repousaria na página dez.
Mas a cada página virada, diante de um tantão de cores e formas ressuscitadas  em meus olhos, pude ver, no espelho de uma dispersa lágrima de alegria, que o mais importante eu consegui...

Cresci e não virei poeta, mas jamais deixei de ser criança.




Ari Mascarenhas

*texto lido na abertura do Sarau sem pecado - realizado em Junho no Colégio Morumbi Sul

Nota de uma sexta chuvosa




A vida é cheia de surpresas, boas e ruins. Ainda que queiramos apenas as boas, surpresas são surpresas e, independente de gostarmos ou não a função delas é nos surpreender. Quando boas, comemoramos, ruborizamos e ficamos satisfeitos com nossas escolhas... As surpresas boas têm o poder de consolidar nossos caminhos. Funcionam como uma espécie de “selo de qualidade” que fortifica nossas escolhas e nos faz acreditar que a vida vale muito a pena. Elas são esperadas, por mais que sejam surpresas, e quando chegam causam aquela sensação de que todos os desafios são justificáveis, que todo medo é válido, que todo cansaço é remunerado. As surpresas boas nos fazem sorrir, abraçar, amar ainda mais aquilo (aqueles) que já amamos, nos faz crer em nossos sonhos e, principalmente, nos enche de vida por nos permitir criar novos sonhos. Enfim, as surpresas boas são aquelas que consideramos necessárias para continuarmos nos trilhos traçados. Afirmo isso porque penso também nas ruins.
As surpresas ruins nos faz repensar nossas escolhas, nos entristece, nos desanima, nos forçam a esquecer do que temos de bom, nos enfraquece, nos derruba, nos atrasa, nos envelhece, nos obriga a acreditar que tudo está errado em nossas vidas. Mas uma coisa boa tem nas surpresas ruins: Comparadas as boas elas são minorias. E mais, podem ser transformadas em boas, se estivermos preparados, não para as surpresas – cuja natureza não permite preparo – mas para os efeitos delas. De repente, uma dor pode ser convertida com a capacidade de suportá-la, um medo pode ser um desafio, um susto funciona como um alerta, uma morte como uma revelação, como se a voltássemos a ter consciência de que somos frágeis e pequenos nesse planeta, mas que ao mesmo tempo somos os condutores de nossas vidas. Responsáveis pelas alegrias e pela predisposição em aproveitá-la.
As surpresas boas ou ruins fazem parte de nossas vidas. Devemos geri-las, ou digeri-las na medida em que surgem. As tramas entrelaçadas, entre aquilo que chega e o que se vai, são responsáveis por definir esse longo texto que se chama vida. Nós não fazemos a linha, mas somos os costureiros da peça que pode nos aquecer, ser aconchegante e perfumada, ou do pano que, na forca do desespero, servirá para sustentar o corpo imóvel, desanimado, resultante de uma soma de surpresas mal compreendidas. Superar as surpresas ruins ou transformá-las em boas é um sinal de maturidade. Ser maduro e entender que a vida pode ser uma caixinha de surpresas, mas que nem sempre ela surge como um bom-bocado num celofane atraente. Às vezes, vem só o “bocado”.
 ASMC

Nova introspecção

Depois de um longo dia
De trabalho e dúvidas,
Sem luz por alguns minutos
E chuva por muitas horas...
Vejo-me aqui!

Banco negro e caneta vermelha,
Dispensando o tempo roto
Um sustenta e o outro transpira
Este breve corpo sem ambição.

O silêncio que foge da rotina
Me devolve aos tempos
Que sempre quis abandonar.

Vendo as esculturas de Bretão
Sinto um desejo animal
De escrever um pouco de bagatelas,
Pra poder dizer que esse sou eu...

Cheio de nada e um nada de tudo!
Exercendo a doce arte do ócio,
Que salva meus dedos da necrose
Produto de uma mente em desuso.

(Ari Mascarenhas - 09/06/2015)


Rascunho



Queria escrever um poema direto,
sem rasuras ou resenhas,
rascunhos...
um próprio poema solto,
correndo o risco de desaparecer.
Um simples vírus, uma bomba,
ou ainda, um nada
que "desvirtualizaria" toda a criação,
quanta emoção!
A capacidade de criar sem deixar marcas me instiga.
Provoca em mim uma série de desejos,
impulsos, vontades selvagens...
vontade de despejar meus dedos sobre o teclado
e deixar fluir palavras, imaginadas,
cuja a única marca, que servirá como prova de que um dia existiram, simplesmente desaparecerá...
num espirro, num sussurro, num murro!
E quando tudo se desfizer em morfemas perdidos serei mais completo do que nunca.
Viverei a verdadeira liberdade
ao me livras de toda matéria poética,
quando todas as notas tocarem,
ficando apenas a sensação de que se ouviu um som.
de onde?
cadê?
Os versos se perderam e eu nem sei o porquê!
Minha tensa tentativa de pôr em prática certos pontos,
aqui se fizeram inteiros e consagraram-se em poesia.
Sem rascunhos, sem rasuras, só poesia, solta, pra ser lida e depois...foi...
Quem um dia se lembrará de ter lido isso?

Ari Mascarenhas 02/06/2015

A arte de contar histórias

Caros leitores do meu blog e que me acompanham  nas redes sociais, tenho ouvido com frequência pedidos para que eu publicasse minha dissertação de mestrado. Pois bem, a USP fez isso por mim (rsrs). Já está disponível na biblioteca virtual da universidade.

Como lá não é possível tecer comentários, criei esse post no meu blog para que todos possam deixar suas impressões, críticas e sugestões.

Segue o link da postagem: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8156/tde-27032015-144818/pt-br.php

Fiquem à vontade e boa leitura!