Notas sobre a Identidade e a Passagem do Tempo : Um breve olhar para o poema 'Uma canção' de Mário Quintana"

 

Uma canção

 

Minha terra não tem palmeiras...

E em vez de um mero sabiá,

Cantam aves invisíveis

Nas palmeiras que não há.

 

Minha terra tem relógios,

Cada qual com a sua hora

Nos mais diversos instantes...

Mas onde o instante de agora?

 

Mas onde a palavra “onde”?

Terra ingrata, ingrato filho,

Sob os céus da minha terra

Eu canto a Canção do Exílio!

 

(QUINTANA, Mário. Poemas para ler na escola. Ed Objetiva. São Paulo, 2011)

 

O poema "Minha terra não tem palmeiras..." de Mário Quintana é uma obra que ressoa com uma profundidade e uma melancolia que são intrínsecas à experiência humana. Através de imagens poéticas e questionamentos filosóficos, Quintana nos leva a uma jornada de reflexão sobre identidade, pertencimento e a passagem do tempo.

A ausência de elementos típicos associados à identidade nacional, como palmeiras e sabiás, inicialmente pode parecer uma simples descrição geográfica, mas revela-se uma metáfora poderosa para a sensação de desenraizamento e alienação que muitos de nós experimentamos em relação às nossas origens. A presença das "aves invisíveis" nas palmeiras inexistentes adiciona uma camada de mistério e transitoriedade, sugerindo a efemeridade da própria identidade e das nossas percepções.

A imagem dos relógios, cada um marcando sua própria hora em diferentes instantes, é uma representação vívida da fragmentação temporal que caracteriza a nossa experiência do tempo. Essa fragmentação, aliada à pergunta angustiante sobre "onde" está o instante de agora, ressalta a dificuldade de viver plenamente no presente, enquanto somos constantemente puxados para o passado ou o futuro.

A expressão "Terra ingrata, ingrato filho" ecoa com uma resignação dolorosa, revelando a complexa relação entre o eu lírico e sua terra natal. A referência à "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias adiciona um elemento de tradição e continuidade à poesia, sugerindo que o sentimento de saudade e deslocamento não é apenas pessoal, mas compartilhado por muitos que vieram antes.

No geral, o poema de Quintana é uma meditação profunda sobre as nuances da identidade, a passagem do tempo e a busca por um senso de pertencimento em um mundo em constante mudança. Sua linguagem poética e suas imagens evocativas convidam à reflexão e à introspecção, proporcionando uma experiência de leitura enriquecedora e significativa.

Eu recomendaria a leitura deste poema, especialmente para aqueles que apreciam a poesia que desafia e transcende as fronteiras da linguagem e da experiência humana.

 (Violeta Pandolfi)



 





São Paulo

 

São Paulo, cidade de imensidão urbana,

Vertigem de concreto, pulsante e voraz,

Onde o céu se encontra com a selva humana,

Nos arranha-céus que tocam o céu audaz.

 

Nas esquinas, o caos ecoa como canto,

O trânsito tece sua teia de aço,

Na miscelânea, um mosaico encanto,

Culturas se abraçam num só compasso.

 

Nas ladeiras da Serra, o sol se deita,

Reflete-se nos vidros dos arranha-céus,

No contraste entre a grandeza e a estreita,

São Paulo respira histórias, mil e mil breus.

 

A Avenida Paulista, símbolo da cidade,

Pulsa arte, negócios, diversidade em sinfonia,

Ponto de encontro, de amor e saudade,

No coração da metrópole em euforia.

 

A cada esquina, um poema inacabado,

Entre vales, morros, bairros tão diversos,

São Paulo, gigante, imenso legado,

De sonhos, de lutas, de risos, de versos.

 

Assim, entre concreto, verde e história,

São Paulo, imponente, segue seu destino,

Na alma daqueles que, em sua trajetória,

Carregam no peito o amor genuíno.


14.12.2023

Notas de leitura sobre a trilogia “Elétrico” de Eduardo Ferrari

 




Acabo de ler a trilogia de Eduardo Ferrari acerca das deliciosas crônicas sobre a vida de um menino (Bernardo) com TDAH – Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Sigla complicada que, para o protagonista Bernardo, só pode ter sido criada por alguém “desatento. Ou hiperativo. Ou inquieto. Ou impulsivo”.  Os livros acompanham o desenvolvimento de uma criança “elétrica”, por vezes “distraída”, por vezes “falante” em suas relações familiares, escolares, sociais e individuais; seus questionamentos, suas brincadeiras, suas descobertas e, principalmente, suas construções de significado, sensivelmente, observadas pelo pai-narrador que mescla seus próprios aprendizados com as evoluções do protagonista.

Conhecia muito pouco a respeito do tema, mas o livro me instigou a procurar mais sobre o  Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) que  afeta entre 3% e 5% das crianças em idade escolar, sendo mais prevalente entre meninos. A leitura dos contos permite observar que uma das principais características do TDAH é a  dificuldade em manter o foco nas atividades propostas e agitação motora. Este distúrbio neurobiológico crônico, marcado por desatenção, hiperatividade e impulsividade, tipicamente se manifesta na infância, mas pode persistir ao longo da vida sem tratamento adequado. Além disso, como acontece na trilogia,  esse transtorno pode impactar o desempenho acadêmico, resultando em rótulos injustos que não refletem o potencial dessas crianças no âmbito psicopedagógico. O TDAH não é um fenômeno recente, sendo descrito já no século 19, e sua incidência é uniforme em todo o mundo. Segundo o DSM-IV, pode ser categorizado em três tipos principais: predominância de sintomas de desatenção, de hiperatividade/impulsividade ou uma combinação dos dois.




A trilogia nos ensina a entender um pouco mais os sintomas do TDAH, como desatenção, hiperatividade e impulsividade, e reduzir assim o impacto negativo nas interações sociais, na vida familiar e no desempenho acadêmico ou profissional das pessoas afetadas. Esses sintomas podem variar em intensidade e comprometimento. Na presença predominante de desatenção, indivíduos enfrentam dificuldade em se concentrar, organizar suas atividades e seguir instruções, podendo pular de uma tarefa para outra sem concluí-las, como acontece com o protagonista em diversas narrativas dentro da coletânea. Distraem-se facilmente, esquecem compromissos ou onde colocaram seus pertences, têm dificuldade em prestar atenção a detalhes e cometem erros por falta de cuidado, prejudicando o aprendizado e o trabalho.

Aprendemos com o protagonista, e o olhar atento do pai, que  na hiperatividade, as pessoas tendem a ser inquietas, agitadas e falam excessivamente. É difícil para elas se envolver em atividades tranquilas ou manterem-se em silêncio durante brincadeiras ou trabalhos. Quando a impulsividade é proeminente, são impacientes, agem sem pensar, têm dificuldade em ouvir até o final, falam precipitadamente e se intrometem em assuntos alheios.

Embora na adolescência e fase adulta os sinais de hiperatividade possam diminuir, outras dificuldades persistem e os impactos negativos no dia a dia se acumulam, afetando a autoestima das pessoas afetadas.

No último livro da trilogia, “Falante”, o personagem “Bernardo” transfere-se para o narrador, oferecendo ao leitor a perspectiva do jovem com TDAH. Nessa belíssima experiência, podemos acompanhar a perspectiva do adolescente em diversas situações, com destaque para sua visão acerca da pandemia de Covid-19. Enquanto o mundo lamentava o isolamento e sofria com as ausências que essa tragédia provocou, Bernardo estava feliz em não ter de ir à escola, em poder ficar mais tempo em frente a um computador; enfim, em poder nas palavras dele ser “O menino Cibernético” e poder assistir, mesmo que de pijama, o mundo passando à sua vista. O universo sobre a perspectiva do menino falante é mais simples, mais proveitoso, mais grato. Sem lamúrias do que se vive, mas apenas do que não se quer perder. Assim, como tudo o que acompanhamos nesses três livros sobre “Bernardo”, o mundo é mais “presente”; e o universo de suposições e imaginações abastecem o que há de mais importante na vida: o momento.




O que aprendi com essa trilogia e com a convivência quase que diária com “Bernardo” nos últimos meses, é que o mundo, para ser compreendido em sua totalidade e beleza, necessita de diferentes olhares; alguns, inclusive, que fogem ao que convencionalmente se optou por chamar de “normalidade”, já que o que nos entrega as possibilidades de mudanças das realidades que vivenciamos passa, indiscutivelmente, pela nossa capacidade de racionalizar menos e sentir cada vez mais. O mundo sensível de “Bernardo” é bem mais sincero, simples e, por sua natureza, mais PRESENTE do que o eventualmente vivemos.

 

A ESCRITA COMO RESISTÊNCIA: O REGISTRO COMO SOBREVIDA EM LEITE DERRAMADO E TERRA SONÂMBULA




Artigo Publicado na Revista Versalete. 


RESUMO: Observaremos neste texto o caráter auxiliar da escrita na perpetuação da oralidade, dos registros culturais e das memórias nos romances Leite Derramado, de Chico Buarque de Hollanda (2009), e Terra Sonâmbula, de Mia Couto (1992). A escrita nos permite, nessas narrativas, identificar o desejo de se fazer ouvir no futuro que ambos os romances apresentam como elementos centrais de suas tramas, fazendo de um simples registro textual um verdadeiro ato de resistência aos “esquecimentos” do tempo. 

Palavras-chave: Mia Couto; Terra Sonâmbula; Chico Buarque; Leite Derramado; memória. 


ABSTRACT: In this text, we will observe the auxiliary character of writing in the perpetuation of orality, cultural records and memories in the novels Leite Derramado, by Chico Buarque de Hollanda (2009), and Terra Sonâmbula, by Mia Couto (1992). Writing allows us, in these narratives, to identify the desire to be heard in the future that both novels present as central elements of their plots, making a simple textual record a real act of resistance to the “forgetfulness” of time. Keywords: Mia Couto; Terra Sonâmbula; Chico Buarque; Leite Derramado; memory.


Leia o artigo na íntegra em: http://www.revistaversalete.ufpr.br/edicoes/vol8-15/7-CAMPOS.-Ari-Silva-Mascarenhas-de.-A-escrita-como-resistencia.pdf

Literaturas Africanas e Afro-brasileira ( Onde adquirir?)


Confira onde adquiri a obra Literaturas Africanas e Afro-Brasileira que desenvolvi junto à profª Dra Francieli Borges, com a coordenação da profª Dra Lúcia Regina Lucas da Rosa

Literaturas Africanas e Afro-brasileira provém de estudos realizados sobre as relações entre a literatura e a africanidade, valorizando questões referentes à negritude, à crioulização, à mestiçagem e à formação de professores. O título da disciplina já anuncia a diversidade cultural e identitária dos estudos aqui propostos: trata-se de “africanas” no plural porque são vários países africanos de língua portuguesa a serem estudados e, por outro lado, “afro-brasileira” remete apenas ao Brasil e, por isso, está escrita no singular. A partir da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, também o ensino na graduação, em curso de licenciatura, torna-se necessário. Não somente para atender a legislação, mas também para olharmos para nossas raízes e nossa cultura contemporânea faz-se necessário ampliarmos esses estudos. 






 

Disponível em: http://livrariavirtual.unilasalle.edu.br/ead/literaturas-africanas-e-afro-brasileira

Aquisição de linguagem escrita e oral ( Onde adquirir?)

 Já está disponível a versão ebook da obra Aquisição de linguagem oral e escrita, da editora Senac. 

O livro apresenta um percurso conciso pelas principais teorias acerca do processo de concepção da linguagem e pelas diferentes formas de aquisição. Dentre os temas abordados na obra, destacam-se os conceitos introdutórios da linguagem, as linhas gerais sobre os modelos de aquisição das linguagens escrita e oral, as abordagens construtivista e sociointeracionista, as teorias que inspiraram a confecção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os processos de aquisição das linguagens na BNCC e as principais teorias da enunciação. O objetivo deste trabalho é oferecer ao leitor um instrumento de consulta e atividade que possa complementar seus estudos e prepará-lo para os inúmeros desafios que a aquisição de linguagem impõe aos educadores.

A obra impressa você pode comprar diretamente na editora Senac: https://www.editorasenacsp.com.br/


Já a versão ebook você encontra nos links abaixo





Livro disponível em: 

Amazon. com - https://www.amazon.com.br/Aquisi%C3%A7%C3%A3o-linguagem-escrita-S%C3%A9rie-Universit%C3%A1ria-ebook/dp/B09R9G1BXL/ref=monarch_sidesheet


Skeelo - https://skeelo.com/products/aquisicao-da-linguagem-escrita-e-oral

KOBO - https://www.kobo.com/br/pt/ebook/aquisicao-da-linguagem-escrita-e-oral?utm_campaign=detailpage&utm_medium=web&utm_source=FNACSpain

Barnes:  https://www.barnesandnoble.com/w/aquisi-o-da-linguagem-escrita-e-oral-ari-silva-mascarenhas-de-campos/1140934583

Disal:  https://livrodigital.disal.com.br/library/publication/aquisicao-da-linguagem-escrita-e-oral


Literatura contemporânea argentina - Um território a ser ocupado por nós.


A literatura argentina contemporânea refere-se à produção literária de escritores argentinos após a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente desde a década de 1950 até os dias atuais. Durante este período, a literatura argentina passou por mudanças e experimentações significativas, com escritores explorando novos estilos e temas.

 Ainda que pouco conhecida pelos leitores brasileiro, essa literatura está recheada de características muito similares a nossa literatura, produzida nesse período. Além das peculiaridades que fazem dessa escola um modelo único no mundo. 

Dentre as principais caracteríticas dessa literatura estão a "experimentação com forma e estilo" -muitos escritores desse período estavam interessados ​​em ultrapassar os limites dos estilos narrativos tradicionais e explorar novas formas de expressão -; o "envolvimento com questões políticas e sociais" - uma obra politicamente ativa que aborda questões de poder, opressão e justiça social -; as questões de identidade - individualidade e existencialismo abordados em estilos narrativos não convencionais e perspectivas fragmentadas; -e o "realismo mágico" - prática narrativa que mistura o fantástico com o cotidiano.

 Dentre os principais nomes desse período, destaca-se:

Julio Cortázar (1914-1984) - um dos escritores mais inovadores e influentes do século XX, conhecido por seu estilo experimental e temas de vanguarda.

    Jorge Luis Borges (1899-1986) - famoso por seus contos que misturam elementos de fantasia, ficção científica e existencialismo. 

Silvina Ocampo (1903-1993) - prolífica escritora e poetisa, conhecida por suas histórias surreais e fantásticas. 

Adolfo Bioy Casares (1914-1999) - escritor e jornalista, mais conhecido por suas obras de ficção científica e fantasia. 

Manuel Puig (1932-1990) - escritor e dramaturgo, conhecido por seu estilo narrativo não convencional e pela exploração da sexualidade e da identidade.


Então, considere uma obra contemporânea argentina na sua próxima visita a uma biblioteca ou livraria. Tenho certeza de que irá se apaixonar. Depois coloque nos comentários como foi essa experiência. 





Capitu e Matilde: Notas de leitura de Chico Buarque e Machado de Assis.

 

A evidente comparação entre o estilo machadiano e a narrativa em primeira pessoa empregada por Chico Buarque no romance Leite Derramado é o ponto de partida para esta leitura, que visa expor semelhanças e influências diretas da personagem Capitu, Dom Casmurro, que o autor utiliza para a construção de sua Matilde.

A afirmação seminal deste artigo, apresentada no parágrafo anterior, baseia-se nos depoimentos do jornalista Heitor Ferraz que se manifestou publicamente, assim como outros, na página virtual do livro, mantida pela editora. Vejamos sua declaração antes de iniciarmos essa dissertação.

 

Ao ler o livro, é inevitável pensar no Machado de Assis de Dom Casmurro e de Memórias Póstumas de Brás Cubas - este último por conta do enredo em que aparentemente não acontece nada e nenhuma narrativa se estabelece como determinante. O diálogo eficiente com o maior escritor brasileiro dá a medida do triunfo literário que é este novo romance de Chico Buarque.” — Heitor Ferraz, Revista BRAVO!

 

 

Com base no depoimento acima vejamos algumas características comuns nos trabalhos de Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás cubas) e Chico Buarque (Leite Derramado).

 

Principiamos pela recorrente narração que reflete as lembranças de dois nostálgicos personagens. A “Alma” de Brás Cubas, agora desgarrada de um corpo em deterioração recorda momentos vividos desde a infância, incluindo a elaboração de diálogos, descrição precisa dos espaços, das percepções e dos julgamentos que o personagem fazia de seus atos e de outrem. Essas lembranças, embora disformes de seu caráter verossímil, são narradas numa seqüência lógica e ordenada, a fim de prestarem sustentação aos argumentos narrativos defendidos pelo personagem. Numa visão fúnebre, depressiva, mas sem perder o bom humor, Brás Cubas se lamenta por ter vivido uma história sem grandes feitos e cuja simples razão de nada haver conquistado seja o único motor dessa sua grande epopéia narrativa de fatos inócuos.  A maestria de Machado, que faz com que uma vida sem nenhum fato interessante, do ponto de vista dos romances de aventura, se torne numa inesquecível história sentimental de derrota perante a falta de conquistas dentro dos valores que compete uma sociedade burguesa, é o que promove sua obra ao estado de alicerce realista da literatura brasileira. Braz cubas era um homem de posses que nada conquistou e de herança só lhe restou um nome.

 

Pouco mais que um século se passou e eis que surge um tal de Eulálio Assumpção, no romance Leite Derramado, contemporâneo de Braz Cubas, mas que só viemos conhecer nas páginas de um romance realista do século XXI. Personagem excêntrico e, como ainda não desencarnou durante as narrações de sua memória, atribui suas lembranças desordenadas e às vezes confundidas com falsetes do presente ao seu centenário corpo efêmero. Esta narrativa, que tenta dar conta de um tempo bem maior do que o da vida de Eulálio, apresenta-se de maneira humanamente controvérsia, confusa, ofertando o caráter verossímil da maioria das lembranças humanas.

 

 

 

Características que representam o cotidiano, suas ansiedades, medos e objetivos, utilizadas na segunda metade do século XIX serão retomados no século XXI narradas por um centenário personagem que acompanhou esse longo período de transformação.

 

O personagem Eulálio é o próprio realismo às margens das transformações artísticas do século XX, que na experiência mutante do autor, derivada de suas diversas contribuições artísticas que vão do campo da música, passando pela dramaturgia e chegando à literatura, transformou-se no declínio dos valores patriarcais do Brasil.

Chico Buarque retoma em Leite Derramado a linearidade da narração machadiana com a fragmentação factual de Macunaíma, obra seminal de Mario de Andrade, e construiu , com estilo próximo da dramaturgia, uma espécie de romance-roteiro, pronto para ser encenado. Uma abrupta retomada da estética realista, em tempos da virtualidade textual que avança sobre a tendência de textos mais simples e enxutos, não apresenta como produto final , em se tratando de Leite Derramado,um abandono das funções sociais do realismo no século XIX.

 

A função da obra realista é sintetizar temas universais e reproduzir seus embates inevitáveis nos diversos campos da representação humana, como acontecera em Madame Bovary, Memórias Póstumas de Brás Cubas e outros “clássicos” desse período; assim sendo, Chico Buarque no momento em que a classe média sofre o seu maior achatamento desde sua aparição, consegue transcrever o drama deste fenômeno e os desafios sociais que os cidadãos da classe média, muitos herdeiros de abundantes lembranças capitalistas, vivenciam em seu presente. De acordo com o economista, Waldir Quadros¹, em entrevista concedida à folha de São Paulo no dia 28 de Abril de 2007 sobre a questão do achatamento da classe média, "ocupações precárias e mal remuneradas vão sendo aceitas como um mal menor [...], e cada vez mais os indivíduos e as famílias vão relaxando seus padrões morais na luta pela sobrevivência”. O que demonstra o fenômeno da migração da classe média para a pobre e rica, com algumas alterações econômicas significativas do ponto de vista do consumo. Vejamos no primeiro parágrafo de Leite Derramado a lembrança dos tempos idos quando os bens eram escassos para um filho de um diplomata brasileiro:

 

Quando eu sair daqui vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. (...) mas se você não gostar da raiz da serra por causa das pereças e dos insetos, ou da lonjura ou de outra coisa, poderíamos morar em botafogo, no casarão construído por meu pai. Ali há quartos enormes, banheiros de mármore com bidês, vários salões com espelhos venezianos, estátuas, pé-direito monumental e telhas de ardósia importadas da França.

 

 

 

Artigo continua no Medium.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    Poesia

Ah! Antes de ser escrita,

                                  é sentida, 

                                             pensada,

                                                        e .......  Tinta.

                                                                             Numa folha branca, 

                                                        extinta…...é

                                            elaborada,

                                 sincera, 

transparente e vera, Ah!

                                                  Poesia


Túlio Demian - 2022


Matrix e o modernismo ( correlações interpretativas)


A cena do filme Matrix (1999), em que a personagem Morpheu apresenta as pílulas ao protagonista Neo, se desenrola com a chegada desse segundo a uma sala com um certo ar obscuro e misterioso, tal como o que se revelará naquele recinto. Em seguida, Morpheu revela a Neo que reconhece a sua surpresa e sua curiosidade em relação ao que está acontecendo. Para ilustrar melhor o acontecimento, Morpheu usa como metáfora o enredo de “Alice no País das Maravilhas” (Lewis Carrol, 1865), sobretudo no trecho em que a garota, ainda atordoada de um sono profundo, se depara com um coelho com um relógio na mão pedindo para que ela o siga. Seguir o coelho aqui é se permitir adentrar no mundo das revelações.

Então, Morpheu  faz uma breve apresentação parcial do que é a Matrix, destacando que toda a realidade que permeia a vida que Neo conhece é na verdade um espectro falso, criado para escravizar e aprisionar aqueles que nela vivem. Na sequência da cena, eis a oferta de libertação. Morpheu oferece, numa clara alusão ao “livre arbítrio” cristão, a opção de Neo continuar vivendo a ilusão projetada na Matrix, tomando a pílula azul, ou se libertar e vivenciar a realidade em uma ótica mais profunda e, portanto, mais real. Para isso, ele precisa tomar a pílula vermelha. Neo escolhe a segunda opção, mas não sem antes ser alertado por Morpheu de que essa escolha não tem volta. A cena se encerra com Morpheu saindo do recinto e, tal como o coelho de Alice, chamando Neo para que o acompanhasse no universo que estava na iminência de se revelar.


Para além das inúmeras referências cristãs que a cena traz, como a já mencionada citação do “livre arbítrio”, a presença de “Trinity” ( a “Santíssima Trindade”) e das cores da pílula (vermelho – a mesma cor da fruta do conhecimento em Gênesis), a cena pode ser interpretada em outras esferas da vida humana, sobretudo no que se refere a arte.

O mundo Moderno, que se instaurou com a queda das nobrezas europeias e a ascensão burguesa no final do século XVIII, foi concebido por intermédio de uma série de pensamentos questionadores que culminaram na compreensão de que a Liberdade e a igualdade eram direitos de todos os seres humanos. Essa série de pensamentos que permeou tanto campos filosóficos, religiosos e até artísticos foi denominada de Iluminismo.


O pensamento iluminista sempre valorizou a expressão artística como forma de compreender a realidade e discuti-la. Contudo, os poderes concentrados nas novas elites fizeram com que o projeto de “mundo moderno” se tornasse, ainda no século XIX obsoleto e cruel com a maior parte da população europeia. Enfim, vieram os avanços científicos e com eles novas perspectivas do pensamento humano se desenvolveram. A arte, cuja natureza principal é o questionamento, também rompeu com as amarras românticas, idealizadas, e propôs, para além do culto à forma, um espaço de reflexão, de questionamento, ou ainda de libertação.

Esses movimentos artísticos foram denominados de “Vanguardas” e sua consolidação no início no século XX, sobretudo ao usurpar as formas literárias já tradicionais ( o romance e a lírica) formatou a escola moderna. Contudo, para compreender uma obra moderna, com seus questionamentos, com suas inquietações, com suas propostas revolucionárias, com suas estéticas, com suas releituras históricas e principalmente com sua libertação das amarras de modelos já consolidados e opressores, é necessário tomar a pílula vermelha.

A pílula vermelha é aquela que te liberta da alienação, que te permite reconhecer o rompimento das expressões e reforçam os elementos das impressões( Expressionismo). É aquela que te permite filtrar as propostas do futuro de forma a afastar toda e qualquer possibilidade de retorno aos modelos totalitários e opressores (futurismo). É aquela que propõe um olhar artístico até onde não se tem arte ( no amor, ou no elevador) reconhecendo que o artístico está na inutilidade primitiva do objeto (dadaísmo).Ou ainda, na melhor parte dela, é o rompimento total da censura da forma permitindo que sua mente e seu corpo naveguem livremente por todos as dimensões da realidade (surrealismo).

Enfim, a pílula vermelha não tem volta, porque uma vez libertado da alienação social, política, consumista, individualista e formal, não há mais volta. O indivíduo jamais se deixará aprisionar sem cogitar, em algum momento, a possibilidade de se rebelar.

O modernismo é o movimento cultural que envolve todas essas premissas e, consequentemente, reestrutura o pensamento literário fazendo com a arte sirva a um propósito cada vez mais claro e libertador: QUESTIONE! Pois assim, seguindo sempre o coelho da curiosidade e da inquietação, você poderá alcançar sempre o novo, e ser o seu próprio NEO!

Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo" - conferência em Coimbra | José Bernardes





 



Conferência na Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, associada à temporada no Teatro da Cerca de São Bernardo do espectáculo "Embarcação do Inferno", de Gil Vicente (co-produção A Escola da Noite / Cendrev) - Intervenção de José Augusto Cardoso Bernardes, professor da Universidade de Coimbra. 17/11/2016, 18h00

Jamais serei brasileiro!

Você tem orgulho de ser BRASILEIRO? Se sim, sugiro que leia esse texto e talvez descubra que está fazendo algo errado contra si mesmo.

Em tempos em que modelos tão ultrapassados de ufanismo retornam ao nosso cotidiano, com pessoas diariamente defendendo as cores patrióticas, os símbolos nacionais e até o velho hino — que agora é cantado (ou tentam cantar) com as duas partes nos eventos esportivos, onde a obrigatoriedade da execução do hino se contradiz com a letra que diz “em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito à própria morte” (liberdade e lei que pune com multa de até 100 mil reais parece não ornar), alguns termos me chamam a atenção. Mas deixemos os símbolos de lado, até porque essa é uma seara que nos levaria longe para entendermos como a camisa do time da CBF (Uma das instituições mais corruptas da história do Brasil) pode ser usada como insígnia de patriotismo e de luta contra a corrupção? Quero abordar aqui algo que independe de sua escolha ideológica ou inclinação política, trata-se da adoção de um termo que reproduz uma imagem muito negativa, de nós mesmos, e quase nunca questionamos sobre o uso dele: O gentílico “brasileiro”.


Segundo Maurice Halbwachs (2010), as estruturas linguísticas configuram discursos que atuam diretamente na formatação de uma sociedade. Ou seja, as palavras e seus respectivos conceitos, com ou não variações, agregam em si enormes cargas discursivas que nos condicionam à reprodução de conceitos e valores em nossas relações. No entanto, a reprodução, de acordo Durkheim (2013), é quase sempre destituída de reflexão crítica, disseminando assim padrões, juízos, convicções e princípios que não foram criados pelos usuários do termo, mas pelos antigos dominantes. E o pior, na maioria das vezes a reprodução acrítica de determinadas sentenças impacta negativamente contra os próprios proclamadores. Se você não é da área de humanas, talvez esses conceitos possam lhe parecer muito abstratos, mas fique tranquilo, a seguir vou mostrar um caso prático (que é o tema deste texto) para compreendermos de maneira mais clara o que é a “morfologia social”.


Você sabia que o gentílico “brasileiro” foi, até o começo do século XX, um termo pejorativo atribuído aos portugueses que exploraram a antiga colônia e voltavam para Portugal ricos, mas destituídos de cultura? Ou seja, eram considerados chulos e, apesar de ricos, não mereciam respeito da elite portuguesa. São inúmeras as citações de personagens “brasileiras “na literatura portuguesa, desde Padre Antonio Vieira à Eça de Queirós. O brasileiro como figura literária era quase sempre um bufão e carregava em si duas contradições, a imagem do progresso financeiro e o retrocesso à selvageria, comum naqueles que não convivem com os hábitos modernos e civilizados da sociedade oitocentista europeia. Portanto, brasileiro é uma figura mitificada no imaginário popular cujas posses não obscurecem a sua conduta reprovável, seu caráter duvidoso e sua completa ausência de sofisticação.


Agora pensem em uma rima para a palavra brasileiro? O que apareceu: Pedreiro, padeiro, fuzileiro, barbeiro… entre outras, não foi? Observem que essas palavras têm algo em comum: São profissões. Ou seja, estão diretamente associadas à função exercida por alguém. Logo, brasileiro é, literalmente, aquele que vive da extração do pau-brasil. Ou aquele que enriquece do trabalho no Brasil, conforme readequou-se no léxico português do século XIX, segundo Machado (2003).

O sufixo “eiro” ou “eira” (cabeleireira, costureira etc.) são exclusivamente utilizados, em língua portuguesa, para indicar a profissão exercida pelo indivíduo.

Agora, diga a si mesmo se você conhece algum país no mundo em que o adjetivo gentílico, aquele que identifica o povo, suas respectivas culturas e tradições possuí o termo referencial dessa identificação diretamente atrelado a uma função laboral? Pode pensar à vontade. Você dificilmente irá encontrar.

Dessa forma, quando nos identificamos como “brasileiros” reforçamos o estereótipo do homem trabalhador, honesto e confiável? NÃO!!! Lembre-se que quem criou o termo foram os portugueses e brasileiro é só alguém que pratica algo manual, ganha mais do que eles (possivelmente) e não possuí nenhuma cultura que mereça a atenção. Aliás, não possui cultura nenhuma. Brasileiro é talvez um emergente, mas um certo ignorante.

Não estou dizendo que é assim que os portugueses e o mundo nos veem atualmente, mas é assim que nos apresentamos e entoamos o tal orgulho de “Ser brasileiro”. Junto com o antiquíssimo modelo idealizante de uma nação unificada, uniforme e cristã, alimentado pelo ufanismo (que por si só já nos carimba como ignorantes), a palavra brasileiro não identifica a pluralidade cultural, religiosa e linguística que nos configura, mas sim nos recoloca às posições servis à coroa portuguesa, do século XIX. Como não existe mais monarquia em Portugal e com a consolidação do domínio das corporações cujas matrizes estão sediadas nas potências desenvolvidas, então o termo serve para nos lembrar que os reis mudaram, mas os servos jamais mudarão.

O termo correto, em língua portuguesa, que atribui o sentido de natividade, de origem, ou de características é formatado pelo sufixo “ano” (moçambicano), “ão” (alemão), “ense” (paranaense), “ês” (japonês) e “eu” (europeu). Dessa forma, correto estão os italianos, que desde sempre nos identificaram como “brasilianos”. Portanto, faça o bem para a nossa língua portuguesa, de hoje em diante afirme-se, defenda, ensine o seu espírito patriota a ser “brasiliano”, pois “brasileiro” em nada ajuda a sua imagem e ainda contribui para reforçar esteriótipos preconceituosos que não raro surgem nas relações dos tupiniquins com os “desenvolvidos”.

Mas se ainda não está convencido em adotar o termo “brasiliano”, pois se sente apegado ao “brasileiro” como uma ferrugem se apega a uma barra de aço, tenho mais um argumento associado ao termo. Se você é patriota e defende a cultura e os valores do nosso país, não ajude a atrelar nossa identidade às funções laborais que ajudaram a extinguir o nosso maior símbolo nacional. Símbolo esse que não foi criado por nenhuma campanha política e tampouco por instituições de caráter duvidoso, foi confeccionado pela natureza que assim como ele é tão mal tratada por nós: O pau-brasil.

Agora se você é daquele que faz continência, exalta e carrega a bandeira americana em suas manifestações públicas, se você defende a inserção no calendário nacional de feriado para o dia 4 de julho, e usa o lema “Make Brazil Great Again” como clara demonstração do seu nacionalismo brasileiro, o que eu posso lhe dizer é que você está muito certo. Parabéns! De fato, essas são ações de quem se vê como “brasileiro” — rude, servil e ignorante. O seu desrespeito por você mesmo é tão grande que você é incapaz de perceber que até o norte-americano, a quem tanto você se inclina e se oferece, te chama de “brasiliano”, já que brazilian, observe o sufixo, nada tem a ver com profissão.

Essa discussão nada tem a ver com xenofobia, até porque no Brasil é comum a xenofobia contra imigrantes africanos, latinos e até orientais; mas, nosso espírito servil nunca nos deixou trair nosso compromisso com os antigos senhores dessas terras e seus herdeiros vitalícios.

Portanto, tenha mais amor por si mesmo. Respeite a diversidade da sua pátria e a natureza de seus filhos que aqui nasceram e que morreram brasilianos.


Ari Silva Mascarenhas de Campos*

Coimbra, 01 de setembro de 2020.


*Professor, escritor, poeta e ensaista brasileiro. Investigador ativo das literaturas contemporâneas. Doutorando da Universidade de Coimbra.


Referências bibliográficas

DURKHEIM, Émile. The Rules of Sociological Method:And Selected Texts On Sociology And Its Method. Londres: Macmillian education U.K., 2013.

HALBWACHS, Maurice. Morfologia Social. Lisboa: Edições 70, 2010.

MACHADO, José P. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Volume 1. Porto: Livros Horizonte, 2003.

 


Para Dona Malvina 

À mulher mais importante de minha vida. 

Mãe, acho que a senhora já sabe o quanto eu escrevi nessa vida. Sabe que publiquei livros, artigos acadêmicos, posfácios, prefácios, artigos de jornal, manifestos, declarações, inventários e inúmeros documentos. 

Sabe que escrevi poesias, de amor, de saudade, de felicidade. Poesias de protesto, poesias de resignação, de alegrias, de decepção, poesia religiosa, poesia pagã. Poesias para muitos amigos, para os meus irmãos, para desconhecidos, para muitas mulheres. 

Sabe que escrevi cinco livros só com poesias. Algumas boas, outras nem tanto, algumas inspiradas, outras só para cumprir páginas, e outras ainda piores que me foram encomendadas. 

Sabe que eu escrevi diários, desde quando tinha oito anos. Aliás, ainda os escrevo, claro que hoje com menos intensidade que os meus impulsos adolescentes pediam na minha juventude. Escrevi jornais, na escola. Escrevi inúmeras provas, trabalhos, resenhas, resumos, dissertações, explicações, felicitações... Escrevi muitas histórias. Contos, romances, escrevi desenlaces que na vida real jamais resolvi... Quantas canções. 

Foram tantos os motivos que me fizeram e ainda me fazem escrever que nem sei dizer  o que é realmente importante e o que não é, na hora de decidir se deixo ou não escrito. Mas sempre escrevi para as pessoas que me importavam.

Então, a escola em que trabalho atualmente, decidiu que faria um trabalho para o dia das mães e a coordenadora, para quem eu já escrevi muitas mensagens, me pediu que eu orientasse os meus alunos nessa atividade. Bem, passei alguns dias pensando em algum texto motivador para apresentar a eles, como exemplo do que se pode escrever para uma mãe. 

Foi aí que eu me dei conta do erro que cometi, sem nunca ter percebido. 

Escrevi a vida inteira, para tanta gente com quem me importei, para tantas namoradas que nunca mais me olharam, para tantos amigos que já me abandonaram há tanto tempo, para tantos alunos que já se formaram, para tantas línguas que não ouço mais, para tantos ouvidos que se fecharam...Mas para a única pessoa que nunca me abandonou eu jamais escrevi uma única linha. Exceto aquele “amor” que costurei no coração de algodão produzido no trabalho da minha terceira série. Coração esse que eu sei que a senhora ainda guarda, na sua velha caixinha de costura, e que toda vez que espeta uma agulha lê a única palavra que deixei registrada para ti.

Por isso, minha amada e querida mãe, hoje escrevo para dizer que essa será a primeira de muitas cartas que lhe enviarei, porque ninguém nessa vida merece, para mim,  mais palavras de amor, de carinho e de eterna gratidão quanto a senhora.

Por isso encerro esse pequeno relato com alguns curtos versos que teci exclusivamente para ti.

 Mãe querida, mãe amada

De ti, são doces as lembranças

De ti, vem a força que me apoio

De ti, vem a certa esperança

 

Se me movo, se me deito,

Se me ergo, se caminho,

Se existo, se logo penso,

É por ti, por teu carinho.

 

Mãe, termo que entristece o poeta,

por ser a única palavra que não rima,

Mas até nisso, fez-me na vida feliz

Já que a posso substituir por Malvina.

 

Perdoe-me, por tanto demorar

A oferecer homenagem nesses versos.

Agora, como primeiro ato registrado

Meu amor e meus sentimentos eternos.

 

À você rainha, minha ode se amplia

E faço da vida à ti honrarias altivas

Seguindo os ensinamentos que me dera

Em suas horas humanas e divinas.

 

Feliz dia das mães.

 

De seu filho que tanto te ama,

Ari Mascarenhas

Trabalho ou Sacrifício? Qual dos dois lhe parece mais motivador?


Conhecer a origem das palavras, nos permite compreender como o seu desenvolvimento foi lhe ofertando novos significados e, assim, podemos mensurar o quanto o uso dela na atualidade e afastou do sentido original, tornando-se às vezes antagônica ao senso formador do termo. Assim, vejamos nesse breve texto como as palavras “Trabalho” e “Sacrifício” atendem hoje a sentidos um tanto quanto disparatados de suas raízes.  

A palavra TRABALHO está localizada como derivação do verbo trabalhar, registrando-se no latim vulgar tripaliāre, interpretado como torturar, tendo raiz no latim tardio tripalium, em referência a um artefato de tortura usado pelos antigos romanos para castigar os réus ou condenados. 

O tripalium era um instrumento feito de três paus (tri = três e palium = palito). Neste aparelho de tortura, o criminoso era amarrado e depois submetido a chicoteamento. Não é de estranhar que, com o passar do tempo, a denominação tripalium do latim vulgar passasse a se chamar fadiga, sofrimento ou penalidade (esta denominação estava associada normalmente às atividades realizadas no campo e no regime de escravidão). 

Ao conhecer a etimologia de algumas palavras é produzido um efeito iluminador, já que a análise do termo permite compreender sua valorização ao longo da história. No caso da palavra trabalho, a mesma se refere à atividade transformadora que determina o rumo da humanidade. 

Na cultura greco-latina, a atividade trabalhista teve pouco reconhecimento social, pois o trabalho manual era considerado algo indigno e associado à condição de escravo. Se tomarmos como referência a mentalidade grega, um indivíduo que recebia salário de outro não podia ser considerado uma pessoa livre e, consequentemente, sua forma de vida não era estimulante (na pólis de Atenas, o trabalho manual e de pequenos comerciantes eram especialmente depreciados, porém a atividade artística gozava de prestígio e reconhecimento). 

Na civilização romana, mantinha-se o desprezo às atividades produtivas mais rudimentares, uma vez que a vida plena estava focada no lazer, na arte e na filosofia. Por outro lado, o termo negócio tinha um significado depreciativo que, na verdade, etimologicamente significa "negação do lazer" (negotium). 

Na visão judaico-cristã encontramos em Gênesis 3: 19 a interpretação cristã da ideia de trabalho. Textualmente quer dizer o seguinte: "Ganharás o pão com o suor da sua testa". Este versículo do Antigo Testamento é a consequência lógica da desobediência de Adão e Eva no Paraíso. Assim, a mulher foi castigada para dar à luz com dor e o homem foi obrigado a ganhar a vida com sofrimento. 

Para muitos o trabalho continuou sendo uma tortura 

A atividade de trabalho ideal é aquela que cumpre duas condições básicas: ser bem remunerada e eminentemente vocacional. 

Embora este ideal se concretize em alguns casos, para grande parte da população o trabalho é entendido como um suplício, ou seja, uma espécie de tortura que é tolerada por não haver outra alternativa. 

Poucos entendem o trabalho como sacrifício, e isso não é positivo, do ponto de vista etimológico.  

Até porque a palavra “sacrifício” é a justaposição de “sacro- ofício”, ou trabalho sagrado. A própria ideia de um trabalho sagrado pode gerar no indivíduo um senso de recompensa que  suplantaria a ideia de remuneração. Quero dizer, fazer o sacrifício pode ser mais recompensador ao sacrificado do que o trabalho ao trabalhador.  

Ainda que novos sentidos sejam atribuídos às palavras no transcorrer dos tempos, entender a razão de sua formação ajuda a resgatar a força semântica de sua criação e, consequentemente, nos permite refletir sobre o uso de tais termos. Se considerarmos apenas a etimologia das palavras, um “sacrifício” é bem mais motivador que um “trabalho”, e reconhecê-lo como tal não é desonra e tampouco motivo de lamentação, mas sim de orgulho por poder servir com sua força produtora à divindade, independente de qual seja ela.