Retrospectiva 2010 - uma tentativa

Seria impossível listar aqui todas as grandes realizações culturais em 2010, por isso, assim como em toda e qualquer retrospectiva, escolhi os principais fatos que participei esse ano para fazer esse pequeno registro histórico. A seleção dos eventos aconteceu sob o critério extremamente pessoal. Ou seja, alguns podem discordar da importância que darei a determinado evento em detrimento a outro, mas isso é apenas uma opinião pessoal, cada qual tem a liberdade de opinar a respeito dessas colocações da maneira que achar melhor. Fiquem a vontade, este é um blog extremamente democrático.


Bem vamos lá. O ano começou com uma importante matéria na Revista da livraria Cultura. Uma entrevista, que viria a ser a ultima, de José Mindlin. Este importante bibliófilo aprendeu a amar os livros muito cedo e não parou mais. Sua rica coleção foi doada a Universidade de São Paulo, mas os estudantes e leitores em geral podiam visitar, em sua própria residência, esse belíssimo acervo cheio de edições raras e tiragens únicas. Mindlin nos deixou em 28 de Fevereiro de 2010. A mim, particularmente, muita saudade. Aos alunos da USP um tesouro.





A Alegria do Circo foi revivida em dois momentos no ano de 2010. Na deliciosa leitura sobre a memória preservada da história por detrás do encantamento e da magia do circo, publicado por Amanda Zeni na revista da Livraria Cultura em Março e na visita que fiz ao circo América, instalado em Itapecerica da Serra na primeira Semana de Julho. No espetáculo mágico do circo pude ver, agora com olhos mais amadurecidos, que todo o espetáculo de um picadeiro pobre é feito por no máximo oito pessoas. O palhaço é o animador, trapezista, pipoqueiro e vendedor de fotografias na saída. Cada membro desenvolve mais de quatro tarefas e quase sempre simultâneas. Tudo para que o público tenha alguns minutos de diversão e arte. Estive com minha sobrinha Victória que, não podia ser diferente, ficou encantada com as luzes, as cores e o dinamismo dos integrantes daquela nave maluca cheia de beleza e superação.


Outro momento marcante aconteceu no dia 24 de Abril em Campinas. Estávamos em Campinas para o lançamento do livro Círculos de Influências, de Marco Aurélio Scarpinella, no Espaço CPFL Cultural. O lançamento seria antes da apresentação Vanguarda Musical Russa reprimida – período Khrénikov, sob a curadoria de Antonio Eduardo e Gilberto Mendes, com a participação do violoncelista Fábio Pellegatti, a contrabaixista Sonia Ray e o pianista Antonio Eduardo, que dividiu o piano com Maria Emilia Moura Campos. O espetáculo foi fabuloso, marcante, instigante. O programa trazia obras de Alfred Schittke, Galina Ustvolskaya, Sofia Gubaidulina e Nicolai Kapustin; uma música que provocou as mais diversas reações no público. Alguns se levantavam e saíam após ver o violoncelo ser tocado de costas, outros ficavam, como eu, encantados com a ousadia e a novidade que se firmava diante de meus olhos. Mas o evento maior foi depois, quando no saguão do espaço, conheci Antonio Eduardo e tive o prazer de adquirir seu CD “da areia também se vê o mar”. Disco que rodou centenas de vezes em meu laser; uma obra ria e rara de um dos maiores pianistas do Brasil em atividade. Um interprete revolucionário de uma música revolucionária.



E por falar em revolução o mês de Abril prometeu, um dia antes do espetáculo anterior citado, assisti a filme Utopia e Barbárie de Silvio Tendler. Um documentário sobre as lutas sociais da segunda metade do século xx no Brasil e nas Américas. Com destaque para o enfrentamento ao regime militar brasileiro. O filme é bom, salvo o interesse descarado de promover a campanha de Dilma Roussef à presidência da República, aliás, o cinema nacional ajudou bastante o PT em 2010, já não bastava o Lula, O filho do Brasil de Janeiro, agora eles lançaram outra produção para mostrar que os heróis chegaram. A Utopia não pode morrer, mas eles se esforçam bastante para matá-la.




No dia 25 e Abril, o Família Bike 2010 disparou em frente à Praça da Fonte de Itapecerica da Serra. Um percurso de pouco mais de 20 km com uma multidão alegre e empenhada em terminar a prova resume este belo passeio ciclístico na manhã de domingo. Após algumas horas de muita serra, muito morro e pouca água, paramos em um sítio que hoje funciona a sede da Universidade Digital de São Carlos, na Estrada Armando Sales. O sítio te um lindo pomar, a vista para o Rodoanel, uma flora intocada e uma fauna composta por serelepes , lagartos e outros animais silvestres que encontram naquele local um lar. Mais um maravilhoso passeio a bordo da minha querida poderosa.



No dia 02 de Maio, Theatro São Pedro, assisti a primeira ópera da Temporada 2010. Nada mais nada menos que Tosca de Giacomo Puccini. Ana Paula Brunkow, Rubens Medina e Rodrigo Esteves, traziam aos palcos do São Pedro, com a orquestra da OSUSP sob a Regência de Ligia Amadio, um dos melhores espetáculos de ópera do ano. Elogiado pela maioria da crítica, essa encenação de Tosca, nos devolve a força do drama na ópera de Puccini, conhecido por suas criações cômicas e leves orquestrações. Coincidentemente no Natal de 2010 ganhei de meu irmão, Ciro, um DVD com a Cia Canadense de Ópera que remonta esse que belo espetáculo lírico.




Três dias depois, a grande festa da ópera e da música clássica acontecia na Sala São Paulo. Era a cerimônia de entrega do XIII Prêmio Carlos Gomes.A lista dos vencedores já foi publicada no blog oficial da ALGOL editora e já é de conhecimento de todos. Gostaria de registrar aqui as três grandes surpresas da noite para mim. Primeiro foi o número de indicações e prêmios recebidos pela ópera de Villa-Lobos A menina das Nuvens. Merecido por sinal, já que eu assisti alguns trechos na internet e realmente é maravilhoso. Em 2011, ouvi rumores de que a Menina das Nuvens irá reinaugurar o Theatro Municipal de São Paulo, espero que isso aconteça, será um grande presente para cidade. Mas claro precisa ser com a Gabriela Pacé, a eterna menina das nuvens, essa soprano foi a grande revelação lírica para mim em 2010. No final do ano ela ainda nos presenteou com uma inesquecível Viúva Alegre. Bem, voltando ao Prêmio Carlos Gomes, a segunda surpresa da noite foi o dueto de Gabriela Pacé e Adriana Clis na Barcarola – Os contos de Hoffman de Jacques Offenbach, a beleza das vozes deixou o público paralisado. A mãe de uma amiga ficou encantada, e assim como ela, eu também fiquei. Quanta delicia em notas bem trabalhadas e doces vozes num bailar apaixonante. Mas, a noite ainda tinha outra grande surpresa para mim.

Quando ninguém mais esperava grandes apresentações, já que todos os prêmios haviam sido entregues, a Niza de Castro, mestre de cerimônia, já havia feito o discurso final, eis que o maestro Carlos Moreno, juntamente com a orquestra de Santo André, decidem dar uma canja com uma música da autoria do maestro e jamais reproduzida em público. Abertura Vittória deixou-me cravado em meu assento sem quase respirar. Foram seis minutos de pura emoção e prazer em ouvir uma canção tão bela e tão provocante quanto a composição daquele maestro. Fechando assim minha noite com chave de ouro. Nem me importei tanto em saber que naquele dia o Corinthians havia sido eliminado da Libertadores pelo Flamengo em plano Pacaembu. Minha Noite com a Menina das Nuvens, a Barcarola e a Abertura Vittoria já estava consolidada como uma das inesquecíveis de 2010.


Anna Caterina Antonacci, que linda soprano. Sua beleza exterior é compatível a voz de ninfa que emana quando seus lábios se afastam. Assisti ao seu espetáculo na Sala São Paulo no dia 22 de julho e jamais esquecerei. Jamais ouvira Gabriel Fauré como nesta noite. Realmente encantadora. É, já li isso em outros lugares, o tempo das Sopranos Reconchonchudas e de cabelos amarrados já era. Anna Caterina, Netrebko, Lamosa e Pacé estão aí pra mostrarem que novos tempos chegaram. A linda era de Maria Callas.


E por falar em Rosana Lamosa, o mês de Agosto chegou e eu ansioso para ver minha diva cantando ao lado de seu marido, Fernando Portari, de talento indiscutível e de uma generosidade sem tamanho. E lá estava, no dia 24 de agosto, a diva no papel de Norina em Don Pasquale. Além do espetáculo abrilhantado pelo casal 20 da ópera brasileira, outra especial surpresa foi a performance de Saulo Javan (Do Pasquale) e Douglas Hahn (Malatesta) em um dueto belíssimo com direito a uma tentativa de malabaris com chapéus e bengalas. Maravilhoso. Grande parte desse espetáculo esta no Youtube, http://www.youtube.com/watch?v=5ENj7TlEUQE, acessem este que foi o terceiro espetáculo da temporada do Theatro São Pedro. O Segundo foi Rigoleto, julho de 2010, o qual assisti ao ensaio final e tivemos uma grande decepção com o tenor. No ato mais famoso dele , La donne móbile, ele simplesmente não cantou. Mas enfim, voltando ao casal 20, eu teria a oportunidade de vê-los atuando mais uma vez. Dessa feita no Rio de Janeiro com Romeu e Julieta.


Dia 09 de Setembro no teatro Eva Herz, assisti ao espetáculo do grupo Amarcord. Esse grupo faz da ópera uma experiência dinâmica com a fusão, ao mesmo tempo, da comédia com o melodrama. O grupo italiano construiu uma nova linguagem através da qual “comunica a música”. Tal linguagem trabalha desde a produção musical, a organização e interpretação de cena, com uma diferente e moderna leitura dos libretos. O programa inclui Rossini, Verdi, Donizetti, Puccini, Mozart até Di Capua. Uma divertida noite com essa remontagem especial dos clássicos, incluindo instrumentos não muito convencionais como o acordeon, teclados digitais e até pandeiros.

E o mês de Setembro estava apenas começando. No dia 21/09 assisti ao Romeu E Julieta do Casal 20, Lamosa e Potari, no teatro Municipal do Rio de Janeiro, de Charles Gounod. Com produção de Carla Camurati e regência de Silvio Vegas esse é o grande candidata para ópera do ano de 2010. A produção encontrou o equilíbrio certo entre cenário e as deficiências arquitetônicas do teatro para que todos pudessem ver a janela de Julieta, as lágrimas de Romeu e os duelos Shakespearianos. Nessa ópera reencontrei Adrian Clis, lembram do prêmio Carlos Gomes, a Barcarola veio na hora em mente. Depois nos reencontramos no lançamento do livro Arquitetura da emoção em Novembro.

Nos dias que seguiram 22 e 23 de Setembro, assisti ao IV seminário de poesia e contemporaneidade na UFF. Bem, as descobertas nesse grupo dariam um livro, então vou elencar aqui a descoberta de uma pessoa. Professora Flora Sussekind, na primeira mesa do dia 23, deu um espetáculo de academia funcional. Mostrou aos membros da mesa que a poesia deve ser tratada com status de humanidade, e não apenas trabalhos subjetivos de complexa assimilação social. Mas pra frente conheci, em um evento na livraria da Vila, na presença de Ondjaki, o professor Antonio Dimas, que se mostrou bastante comprometido com esse ponto de vista da professora Flora. Para mim, os tesouros que conheci esse ano, dentro da academia, são eles: Professora Flora, Professor Dimas, Professora Vima e Flávia, cujo espírito de reformulação dos conceitos de academia funcionalidade estão de acordo com o que eu já começava a acreditar ser pura utopia.





No dia 15 de Outubro, Teatro Humboldt, assisti a uma montagem compactada, mas nem por isso ruim, de A flauta Mágica. Surpresa ao chegar ao teatro e ver que tão perto de casa temos um teatro com aquela qualidade. E na apresentação dos jovens cantores daquela ópera, com destaque para as interpretações de Rainha da Noite e Papageno.







Mas o mês de Outubro ficou verdadeiramente marcado pelo início do projeto de Leitura aos domingos no colégio Leda Felice. Um grupo mais que especial formou-se nesse projeto e hoje tenho novos amigos cuja aliança é a literatura. O melhor desse projeto é que em 2011 ele continuará com força total, atraindo mais amantes da literatura e trazendo uma nova opção de lazer e cultura para os cidadãos da nossa cidade. Visite nosso site: http://letrasleda.blogspot.com/

E a lição de Ionesco que não saiu? Bem as eleições, o ENEM e outros fatos nos atrapalharam, mas em 2011, a lição vem aí.





Como eu disse no início, houveram outros tantos fatos importantes, como o espetáculo com Elisabete Savalla no largo da matriz, outras óperas, musicais, filmes, aulas de violino ( foram todas inesquecíveis), eventos literários ( como o Letras em Cena- inesquecíveis leituras dramáticas), viradas, lançamentos, projetos, que poderiam aparecer nessa retrospectiva mas seria impossível fazê-la nesses moldes, de modo que o que aqui está exposto representa bem os principais eventos culturais de 2010 em que estive presente. Só posso falar do que vi e ouvi, o resto é especulação.



Um grande beijo à todos e um 2011 repleto de realizações para todos nós.




Ari Mascarenhas - FV

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