Uma breve leitura da obra O Processo de Fraz Kafka
Um romance complexo e instigante que aponta para uma distopia orientada
por uma legislação indecifrável, ou melhor, apenas sugerida, já que nada no
romance se estabelece como palpável, certo ou realizável. Um labirinto de
possibilidades manipuladas cuja burocracia e a subjetividade são as bases de um
processo insolúvel.
A vertigem do enredo alcança seu ápice, a meu ver, na cena em que o
advogado revela como a burocracia beneficia os habitantes do “olimpo” moderno, numa
sociedade mantida por leis. A revelação se dá de forma caricata e surreal, como
quase todas as imagens do romance, a fim de reforçar os exageros e absurdos do
sistema capitalista. Na cena em questão, o advogado, já enfermo e deitado em
sua cama, faz com que um rico empresário que, assim como o protagonista sofrera
um processo “sem pé nem cabeça”, ajoelhe-se diante dele e implore por “informações”
sobre sua situação frente ao judiciário.
Aliás, informação é a grande moeda de troca no romance. Por vezes
negociada com favores sexuais, prestígio e reconhecimento. O dinheiro parece
ter pouco valor. A informação só perde para o medo, no quesito interesse. O
medo de ser processado é o que, frequentemente, movimenta as personagens na
trama. Todos sabem, em alto ou baixo grau, o desespero de Joseph K., haja vista
que o temor de sofrer um processo, cujas informações ficam monopolizadas por
funcionários e juízes inacessíveis gerando uma quase condenação prévia, é
geral.
A grandeza da obra está, sem dúvida, na sua atemporalidade. As poucas
marcas temporais do romance não são confiáveis, pois o próprio narrador se
esforça em confundi-las. Vale-se aqui a ideia de que essas marcas, confusas ou
não, apontam unicamente para o decorrer da narrativa. Não há absolutamente nada
que enquadre o romance em um período histórico qualquer. Exceto na descrição
espacial e social da obra.
A combinação entre as descrições de uma cidade dividida entre região
central rica e periferia pobre, denota uma divisão moderna típica das megalópoles
capitalistas. Além disso, há o trabalho no banco (cuja divisão hierárquica corresponde
a um formato mais aproximado do século XX – Divisão, diretoria, escritório, contínuos,
etc.), e automóveis, que a presença por si só aponta para o século mencionado
acima. Contudo, são apenas essas distinções temporais que podemos fazer. O que
permite com que as discussões do romance possam se situar, tranquilamente, em
ambientes mais próximos da nossa realidade.
Enfim, trata-se de um romance psicológico que instiga o leitor não pelas
suas revelações, mas sim pelos mistérios. Um baile de indefinições, ironias e
insinuações perversas que, ao final, não deseja caracterizar as alucinações de
Joseph K., mas apenas escancarar a estranha, odiosa e desorganizada máquina
usada para maquiar nossa sociedade com uma bela imagem de Ordem, a fim de nos
fazer acreditar que esse é o modelo ideal para chegarmos ao tão desejado
progresso da humanidade.
Ari Mascarenhas 19/07/2014
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