Macunaíma - 80 anos depois e a falta de caráter continua.

Após 80 anos de seu lançamento Macunaíma o herói sem nenhum caráter continua provocando leitores de todas as idades. A provocação da imaginação  e o exercício da  capacidade de adapatação espacial, temporal  e de personalidade fazem dessa obra uma das mais importantes da nossa história. Esqueçam as regrinhas de análise lieterária exigida pela academia e mergulhe nas páginas de Macunaíma com a mente aberta para toda e qualquer transformação daquilo que julgamos concreto e pronto. Um tratado cômico, ou não,  da história, da sociologia e da moral ocidental.

Macunaíma é um herói indígena, ou seja, de uma civilização que se pressupõe não civilizada, no entanto, é o personagem ideal, segundo o autor, para representar a sociedade moderna de sua época, suas descobertas, seus anseios, suas virtudes e seus defeitos.


Mentiroso, cruel, egocêntrico e com outros adjetivos de colocar inveja nos vilões de histórias passadas; mas que ao mesmo tempo apresentava sinais de espiritualidade e remissão das quais, nos faz duvidar de sua natureza maléfica e , em determinados momentos, qualificá-lo apenas como ingênuo.

A afirmação acima pode ser representada no encontro do herói com o Curupira; esse segundo ofereceu-lhe carne da própria perna para matar-lhe a fome, mas ao mesmo tempo controlar-lhe e conduzi-lo a morte.

A malícia, a ingenuidade, o caráter corrompido e principalmente a necessidade de reconstruir as estruturas que castravam a naturalidade das manifestações culturais, fazem de Macunaíma um símbolo fiel aos anseios de uma sociedade sedenta de evolução.




Grande Othelo, o ator que imortalizou o Macunaíma no cinema
 O personagem central dessa história representa características que se confrontam com os “bem definidos em seus objetivos” heróis de outrora. Macunaíma é indisciplinado e completamente individualista. Suas ações denotam críticas a diversos setores da sociedade, dentre eles, aquele que foi menos tocado durante os outros períodos literários: A Família.



Parte da proposta do movimento modernista consiste em recriar conceitos através do rompimentos com padrões tradicionais.O repensar as estruturas familiares, na visão modernista, não esta somente ligado as questões comportamentais , mas principalmente a questão da transformação intelectual .Se somos capazes de transformar os conceitos familiares , e rompermos com o estruturalismo cristão que sugere a uniformidade mas não garante a paz entre os homens, então , imaginem o que podemos fazer com a literatura.

Mesmo assim, a família não era considerada um valor falso pelos modernistas, mas sim um valor a ser pensado, no entanto, a maldade de Macunaíma para com sua Mãe e seus irmãos, chocam os puritanos e instiga o pensamento moderno dos artistas da época.



O herói engana os irmãos, mente para mãe e é abandonado por ela em um lugar denominado os Cafundós do Judas. Como um personagem, cujo respeito ao seu próximo é praticamente nulo pode ser considerado um herói?

Macunaíma não tinha preocupações sociais, era vaidoso e necessitava de público para suas alegorias. Quando sentia vontade de chorar acreditava não valer a pena se estivesse sozinho. Nem ao menos interiorizava o conceito de família no âmbito religioso.era católico e freqüentava religiões afros , sempre em busca de uma ajuda espiritual em momentos mais difíceis sem muito se preocupar com os valores ou com os mandamentos da instituição do qual fazia parte.





Outra característica de Macunaíma que reflete uma atenuada critica social é o reflexo da falta de vontade que pairava sobre um povo estagnado ,desinteressado e desatento as mudanças e transformações que o país sofria.


“Aí que preguiça”.

Essa era a frase utilizada sempre que alguma ação exigia algum esforço dele. Por menor que ele fosse.

Segundo o professor Francisco Marto de moura (Literatura Brasileira de 1988),:” O herói é apático e esse apatismo é estendido a todo povo brasileiro.”Essa afirmação fundamenta-se na lenda do Pauí-Pódole ( Macunaíma cap. X) onde se encontra o enxerto a seguir:

(...) Uma feita era DIA DE FLOR, festa inventada para os brasileiros serem mais caridosos.

Nessa passagem, segundo o professor, é uma alusão ao DIA DO CRUZEIRO inventado no Brasil para que o povo descansasse um dia a mais.

Em outro trecho da obra, observamos claramente a apatia do herói e a sua falta de interesse.



...Estava na Paraíba e tão sem vontade de chispar que parou .Era por causa do heróis estar impaludado.Perto havia uns trabalhadores destruindo formigueiros para construir um açude . Macunaíma pediu água para eless. Não tinha nem gota, porém deram raiz de umbu.O herói matou a sede dos legornes ,agradeceu e gritou:

-Diabo leve quem trabalha!



Esse apatismo que tomava conta da literatura e da sociedade pós-guerra, refletido nas ações do personagem Macunaíma, aproxima-se bastante, em definição, do recitado por Oswald de Andrade no Manifesto da Poesia Pau Brasil:

“Obuses de elevadores,cubos de arranha-céu e a sábia preguiça escolar.A reza. O carnaval. A energia intíma.O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual,amorosa.A saudade dos pajés e dos campos de aviação militar.Pau-Brasil”

( Correio da Manhã,18/03/1924).


Observando as características físicas do personagem pode-se notar marcas de questões raciais. Existe uma confluência racial presente desde o primeiro capítulo, quando o autor descreve que o herói índio Nasce Preto retinto.

Mas essa afirmação fcia melhor evidenciada no inicio do capítulo V (Piaimã) quando após nadarem na água encantada que estava empoçada na marca da pegada de Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus para os índios ; Macunaíma limpou todo o pretume do seu corpo e se transformou em um herói louro, tipicamente europeu.



“e estava lindíssimo na Sol da Lapa os três manos um louro um vermelho e outro negro,de pé bem erguidos e nus .Todos os seres dos matos espiavam assombrados.


E foi assim , segundo a lenda de Macunaíma que se originou a formação da raça brasileira.O índio , o negro e o branco.


Macunaíma é o herói que melhor qualifica o anti-herói ou vice versa. É anti herói por todas as características que descrevemos até aqui e por suas ações durante a aventura da única coisa que lhe interessava: A muriaquitã. Cujo o valor é unicamente nostálgico e que representa a necessidade de um povo em busca de suas raízes sem a demagogia, criticada pelos modernistas, dos romancistas do século anterior.

È herói por ser brasileiro, moderno e dono de seu destino. Herói por representar tão bem os defeitos de uma nação e sugerir, mesmo que em metáforas não intencionais, uma verdadeira abolição de muitos conceitos imperialistas que ainda regiam a sociedade cafeeira da república brasileira. É herói nos confrontos que travou com as novidades tecnológicas e na forma como adequou sua linguagem para compreendê-las e semeá-las entre os seus.Macunaíma é herói de uma nação moderna, próspera e nacionalista.



“A ursa maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva , se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu.”( Macunaíma – cap. XVII- Ursa Maior)

ASMC

Bibliografia:
Andrade, Mario de. Macunaíma – o herói sem nenhum caráter. 1ªed. Editora Gran Bell, São Paulo. 1999

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